Sir Lord Baltimore: Heavy Metal Thunder

Sentamos para um longo papo com John Garner, e ele contou um pouco sobre a sua banda com exclusividade para a pZ

por Bento Araujo     06 dez 2015

Sir Lord BaltimoreNa época ninguém deu bola, mas hoje eles são cultuados ao lado do Blue Cheer como os verdadeiros avós do stoner rock. O Sir Lord Baltimore foi um dos primeiros grupos a ser chamado de “heavy metal” pela crítica especializada, e além de ser um power trio, era liderado por um baterista/vocalista: Mr. John Garner. Sentamos para um longo papo com Garner, e ele contou um pouco sobre a sua banda com exclusividade para a pZ.

“Éramos jovens repletos de energia… Nosso barato era explorar o mundo; estávamos em busca de respostas…” É assim que começa o nosso papo com John Garner; mentor, fundador e força motriz de um dos grupos mais amaldiçoados e pesados dos anos 70, o Sir Lord Baltimore.

Em 1968, Garner conheceu dois sujeitos no colégio, o baixista Gary Justin e o guitarrista Louis Dambra. O trio começou a ensaiar no bairro do Brooklin, em Nova York. O barulho era ensurdecedor, já que tanto Garner como Justin estavam literalmente aprendendo a tocar, baseados exclusivamente na obra do Cream, a banda favorita da moçada. Dambra era o único com alguma experiência, pois já havia participado de um grupo chamado The Koala, com quem inclusive gravou um álbum de mesmo nome. Mesmo após mais de 40 anos passados, Garner ainda possui um afeto quase palpável com esse período “romântico” de sua carreira: “A gente queria ser feliz acima de tudo; é pra isso que serve a vida, pra se preocupar com as coisas boas, que valem a pena e que curtimos fazer, portanto esse era o nosso espírito nessa época, digamos, de gestação da banda.”

Tudo começou a acontecer para os rapazes quando eles se depararam com um caçador de talentos de um selo, Mike Appel, sujeito que batizou o trio como Sir Lord Baltimore, e passou também a compor material e fornecer boas dicas para os garotos. Para se ter uma ideia da influência de Appel no showbusiness do período, basta lembrar que o primeiro show do SLB aconteceu no pomposo Carnegie Hall de New York, numa noite aberta ao público. Appel foi também o cara que praticamente descobriu (e depois “empresariou”) um garoto em New Jersey chamado Bruce Springsteen… Pergunto então para Garner, como o dia-a-dia de sua banda amadora foi modificado após um primeiro contato com Appel: “Mais do que um simples mentor pra gente, Mike Appel foi um quarto integrante do grupo. Sua energia era do tamanho da nossa, por isso combinávamos tanto. Seu astral era incrível e ele sempre aparecia com excelentes conselhos e ideias. Devemos muito a ele.”

Appel co-escreveu as letras e co-arranjou as músicas dos rapazes e logo sentiu que o trio estava pronto para entrar em estúdio para registrar seu primeiro trabalho, que seria batizado como
Kingdom Come e que seria um marco em termos de violência sonora. A espinha dorsal da estreia foi registrada no Vantone Studios e contou com Nick Masse na engenharia de som e Jim Cretecos co-produzindo o álbum ao lado de Mike Appel.

sir lord baltimore - kingdom comePara dar o tapa final na bolacha, Appel juntou suas economias e investiu pesado no grupo, reservando alguns dias no conceituado estúdio Electric Ladyland, de propriedade de Jimi Hendrix. Ali o SLB gravou mais algumas faixas, fez overdubs e mixou o trabalho com o laborioso amparo de Eddie Kramer, o legendário produtor de Jimi Hendrix, e de muitos outros grupos, como o Zeppelin, Kiss, etc.
Reza a lenda que exatamente nessa época, quem deu uma passada pelo Electric Ladyland Studio foi o pessoal do Pink Floyd, que consequentemente ouviu e aprovou o som visceral do Sir Lord Baltimore. Boato ou realidade? Ninguém melhor do que o próprio John Garner para tirar essa dúvida que perdura por décadas entre os fãs: “Bem, isso realmente aconteceu e posso te contar exatamente como foi…

Eles entraram no estúdio enquanto estávamos gravando ‘Lake Isle of Innerfree’, e o pessoal do staff depois comentou com a gente que os caras do Floyd curtiram demais essa música. Estávamos dando duro e nosso horário era corrido, então infelizmente não tivemos muito tempo para conhecer melhor o pessoal do Floyd e bolar uma conversa mais profunda com eles… Uma penas, pois os caras eram extremamente educados e agradáveis, perfect gentlemen.”

Falando em gentlemen, Garner faz questão de ressaltar que Eddie Kramer também era um deles, e que entrou em contato com o grupo graças ao poderoso empresário Dee Anthony: “Appel estava com a agenda lotada, então pediu para que seu amigo Dee Anthony nos empresariasse dali por diante, e foi ele que nos colocou em contato direto com Eddie Kramer.
Dee era uma espécie de Don Arden, competente e rude ao mesmo tempo, mas com um coração enorme.”

Dee Anthony faleceu recentemente e foi ele também o homem que empresariou diversas bandas poderosas da época, como o Humble Pie. Inclusive na pZ# 28, falamos mais sobre ele, confiram…
Kingdom Come chegou nas lojas em 1970, via Mercury Records, e logo de cara assustou o público com sua tenebrosa e mórbida capa, mostrando um navio fantasma construído de ossos humanos. Musicalmente o material não ficava atrás.

Mike Saunders da revista Creem, usou de forma pioneira o termo “heavy metal” na resenha do álbum (ver box), fato esse que bastou para colocar o SLB pra sempre na história do rock pesado. Existe também uma polêmica a respeito disso, pois meses antes, em 1969, o próprio Saunders já havia usado o termo numa resenha do primeiro disco do Humble Pie (olha eles de novo, corra para o seu #28 da pZ para ler mais a respeito dessa resenha). John Garner, no entanto, diz desconhecer o lance do Humble Pie, e afirma que o SLB é o detentor exclusivo de tal glória: “Bom além do primeiro uso oficial do termo para algo musical, o legal da resenha é que Saunders dizia que éramos inovadores, e nada poderia soar melhor que isso naqueles tempos. Foi algo que inclusive ajudou a vender bem a banda. As pessoas estavam à procura exatamente disso, queriam algo muito além do medíocre, algo diferente e condizente com o que estava rolando naquela década que estava apenas começando.”

Dos novos grupos que também lançavam suas estreias naquele ano de 1970, talvez o mais cavernoso e espalhafatoso era o Sir Lord Baltimore, que vinha da barra pesada dos guetos de New York. Como vinham de NY, o SLB também tinha uma veia punk, muito antes desse estilo musical pintar na cidade, em 1974.

Dentre os maiores destaques de Kingdom Come estão “Master Heartache” e sua levada de baixo que certamente faria Lemmy (do Motorhead) perder a cabeça. “Lady Of Fire” é repleta de layers de guitarra fuzz e vocais anárquicos, o que contrasta bastante com o arranjo mais folk, barroco e psicodélico de “Lake Isle Of Innersfree” e seu harpsichord e violão de 12 cordas. A faixa título é uma marcha fúnebre em formato hard, com Garner literalmente espancando os bumbos de sua bateria enquanto profere versos literalmente tenebrosos. “I Got A Woman” e “Hell Hound” tem vocais hérculos e “Helium Head (I Got A Love)” tem um riff dobrado de guitarra e baixo que é proto NWOBHM puro.

Do outro lado do Atlântico o Black Sabbath lançava seus dois primeiros registros naquele ano de 1970 e passava a reinar absoluto com esse novo som infernal que havia acabado de ser batizado, o heavy metal. Durante a tour do disco Paranoid, a banda inglesa foi excursionar nos EUA e adivinhe quem abriu alguns shows dessa tour? Sim, o Sir Lord Baltimore, a possível versão americana da catarse sonora do Sabbath: “Esses foram os melhores dias da minha vida,” relembra Garner para a pZ; “Foi algo tão excitante que poderíamos ficar dias, meses, anos nesse papo, e mesmo assim eu não iria conseguir te dizer o que foi aquilo. O ápice foi no Fillmore East, onde fizemos duas noites consecutivas com o Sabbath fechando, a gente abrindo, e a J. Geils Band no meio. Posso te garantir que foi a minha maior viagem, mesmo sem estar usando nenhuma droga naquelas noites. É algo que nunca vou me esquecer.” Quem também certamente também não esqueceu essas ocasiões foi Bill Graham, o proprietário do Fillmore. Bill simplesmente odiou o SLB e praticamente os expulsou do palco quando o tempo limite da banda de abertura foi atingido.

Voltando a falar de Kingdom Come, a obra sequer foi cogitada a ser lançada no Brasil, porém pelo menos um trecho de uma faixa da banda foi lançada por aqui, na hoje rara compilação do selo “swirl” da Vertigo, Crazy, Baby, Crazy!!, editada por aqui em 1971. Trata-se de um sampler, com apenas trechos emendados de músicas de bandas como Lucifer’s Friend, Blue Cheer, Colosseum, Juicy Lucy, Warhorse, May Blitz e outras. O Sir Lord Baltimore aparece com “Hard Rain Fallin,” no mínimo curioso…

Também em 1971 o SLB lançou seu segundo álbum, Sir Lord Baltimore, decepcionante se comparado ao primeiro. Desde a capa – mais colorida, alegre e até levemente “glam” – até o conteúdo musical; tudo havia mudado, estava mais convencional, menos perigoso… A sonoridade, mais mansa.

A banda havia até deixado de ser um trio, adicionando mais um guitarrista/tecladista/vocalista, Joey Dambra, irmão de Louis. Com as vendas praticamente inexistentes, a Mercury coloca o quarteto na rua e o fim prematuro da banda se concretiza. Royalties estavam atrasados, faltava grana, e drogas pesadas também minavam o grupo: “As drogas acabam com a vida de qualquer um. Quando usadas estritamente para se ‘ficar alto’ elas passam a funcionar como um flagelo para a humanidade,” confessa Garner com voz trêmula.

Joey Dambra foi tocar com um grupo chamado Community Apple, e depois participou do 44th Street Fairies, um projeto cômico montado por John Lennon durante seu famoso lost weekend, que também trazia sua amante May Pang e Lori Burton. Joey ainda fez backing vocal em “No. 9 Dream”, canção que Lennon lançou no álbum Walls And Bridges. John Garner por sua vez aproveitou o fim do SLB para gravar com o Bloody Mary, que lançou um disco auto-intitulado em 1974. Meramente por questões contratuais, o nome do baterista não consta nos créditos da contra-capa do elepê.

Depois de quatro anos, Garner voltou a reunir o SLB e um disco de estúdio foi prometido para 1976. Ficou só na vontade e a banda só veio mesmo a se reunir já no século 21, graças a um pequeno culto formado por jovens e antigos/novos fãs da banda, que descobriram seus trabalhos dos anos 70 graças a uma edição em CD da Polygram, lançada em 1994, que reunia os discos Kingdom Come (1970) e Sir Lord Baltimore (1971).

Garner começou a se comunicar com os fãs e com a internet a coisa tomou outras proporções. Foi a deixa ideal para Garner e Dambra se reunirem em 2006, e lançarem de forma independente pela web, o álbum Sir Lord Baltimore III Raw, contendo inclusive faixas que estavam arquivadas desde 1976!

“Ainda me surpreende muito esse interesse da garotada no nosso som. Tem também os antigos fãs, que esperaram três décadas pra ouvir alguma notícia nossa,” exclama um perplexo Garner. No álbum, Tony Franklin (ex-The Firm, Blue Murder e Whitesnake), cuidou do baixo e o guitarrista Anthony Guido e o baixista Sam Powell aparecem também como convidados especiais. As letras foram ligeiramente alteradas em relação ao material que originalmente estava planejado para ser lançado no álbum de 1976, pois Garner anda flertando com o cristianismo de uns tempos pra cá. Louis Dambra entrou ainda mais de cabeça na religião, pois hoje atua como um fervoroso pastor na Califórnia, onde presta palestras e cultos a famílias sem teto de Los Angeles.
Esse papo de “volta” da banda teve início de maneira curiosa, como o próprio Garner não tem o menor constrangimento em explicar: “A verdade é que essa nossa volta foi totalmente bancada por um fã que é cheio da grana. Ele tem uma banda especializada em rock dos anos 70, The Lizards, e depois eu até retribui o favor indo tocar com eles. Foi esse sujeito que reuniu a minha pessoa e Louis Dambra para gravar o Sir Lord Baltimore III Raw, com canções regravadas que estavam inéditas desde os anos 70.”

Mais recentemente, Garner tem trabalhado com o guitarrista sueco Janne Stark (que também toca nas bandas Overdrive e Locomotive Breath). A dupla chegou a regravar uma versão de “Woman Tamer” (a original está no segundo disco do SLB) e anunciou em 2008 que iria se apresentar no Sweden Rock Festival, evento famoso por trazer à tona grandes nomes esquecidos do passado entre as suas atrações principais. Dizem que a organização do festival embaçou demais pra liberar o cachê, então Garner achou melhor não cruzar o Atlântico. Enquanto isso, fãs aguardam com a paciência de um monge tibetano alguma notícia do grupo. Para encerrar o papo, pergunto para Garner como ele quer ser lembrado depois que não estiver mais entre a gente. A resposta é franca e sem a menor modéstia: “Quero ser lembrado como alguém que de certa forma contribuiu para a história do rock… Mas antes disso acontecer, se for possível, quero ter alguma compensação em vida para poder ir tocando aqui as minhas coisas. Isso seria ótimo também…”

Ah, e ele mandou um recado para os fãs brasileiros: “Obrigado pelo interesse de vocês.”

Artigo originalmente publicado na pZ 31

  1. Jean Carlo de Carvalho Costa

    Excelente texto. Conheci a não muito tempo o SLB e passo por aqui apenas para agradecer essa “apresentação” mais detalhada de vcs… o primeiro disco, de fato, é maravilhoso… parabéns pelo material…

    Responder

Faça um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *