O sucesso do Motörhead era avassalador por toda a Inglaterra naquele ano de 1980, quando lançaram seu disco mais conhecido: Ace Of Spades
Com a fama e a reputação recém alcançada, o Motörhead foi forçado a mudar alguns de seus hábitos. O consumo de álcool, drogas e groupies aumentou consideravelmente, e claro que isso não mudou, mas sim um hábito que caracterizava cada um dos integrantes como um autêntico “working class hero”: as bebedeiras junto dos fãs. Mesmo tocando em grandes arenas como o Hammersmith Odeon ou o Sheffield City Hall, o trio gostava de degustar as biritas no bar local, antes de subir no palco, como se estivesse tocando num boteco qualquer de beira de estrada.
Claro que isso teve que mudar, pois estava trazendo muitos problemas para os organizadores. O assédio passava a ser desmedido por parte dos fãs e isso tinha uma razão. O sucesso do Motörhead era avassalador por toda a Inglaterra naquele ano de 1980, quando lançaram seu disco mais conhecido: Ace Of Spades. Todo esse prestígio avançaria também pelo ano seguinte, 1981, quando lançaram o poderoso ao vivo No Sleep ‘til Hammersmith.
Apesar de toda glória, foi um período breve e confuso para a banda, que chegou ao topo das paradas inglesas. Nada mal para a famigerada “pior banda do mundo”, como alegavam os tablóides britânicos. Não é exagero dizer que o Motörhead era a banda que mais cativava a garotada naquele ano de 1980, isso num sentido mais amplo, falando de um grupo que lotava arenas, vendia milhares de cópias e estava nos jornais, na TV, no rádio, e nas paradas. Se o punk rock tinha sido agressivo nos anos anteriores, aquilo foi apenas uma preparação para a catarse sonora que a banda de Lemmy iria instaurar na cena musical. A reputação deles só ajudava. Eram acusados de ser o grupo mais alto e podre do mundo, e isso não só dentro dos confinamentos da imprensa musical: o jornal londrino Evening News publicava que a banda era uma ameaça completa à nova geração, pois em seus shows imprimiam a marca suicida de 126 decibéis!
Falando em volume, terminado o lendário (e ensurdecedor) show no Bingley Hall, em Stafford, Inglaterra (ver box) o Motörhead passou a se concentrar nos ensaios, que serviriam como aquecimento para as gravações do próximo álbum da banda. Lemmy relatou em sua autobiografia White Line Fever: “Em termos de processo de gravação, Ace Of Spades foi o disco nosso que mais demorou para ser gravado. Como a gente estava num baita pique, tudo aconteceu de maneira mais fácil e menos complicada que nos discos anteriores. A gente não podia parar, a popularidade da banda estava crescendo cada vez mais. Estávamos em ascendência e sabíamos que o disco seria um sucesso. Estávamos nos sentido bem, no entanto, eu não saquei o quão amaldiçoada a banda era, pois na realidade aquilo era o fim da coisa ao invés do começo. Foi somente dois anos depois quando comecei a gravar Iron Fist que eu passei a pensar nisso… Ace Of Spades foi o melhor disco daquela formação da banda.”
Do começo de agosto até a metade de setembro de 1980 o trio passou seis semanas no Jackson’s Studio, em Rickmansworth, ao lado do produtor Vic Maile, que era uma espécie de lenda do selo Pye Records. Lemmy o conhecia dos seus tempos de Hawkwind, e Maile era famoso também por ter cunhado o som cru e peculiar de uma banda inglesa gigante nos anos 70, o Dr. Feelgood. Lemmy sempre curte falar sobre Vic Maile: “Ele era proprietário de um estúdio móvel que o Hawkwind alugou para gravar seu disco ao vivo, Space Ritual. Vic era um cara legal e um ótimo produtor. Sofria de diabetes e morreu em função da doença. Os caras legais sempre se vão… É por isso que eu ainda estou na área…”
“Esse disco é bem rápido. Talvez a gente tenha usado droga da boa. Seja o que for, eu adoro esse álbum”, disse “Fast” Eddie Clarke ao semanário inglês Sounds na época. Não só ele, mas qualquer pessoa que curta Rock ‘n’ Roll de verdade tem obrigação de idolatrar um álbum como Ace Of Spades. A faixa-título é talvez uma das mais impactantes “aberturas de disco” da história e costuma ser apreciada até inclusive por quem não vai muito com a cara da banda.
Lemmy está com saco cheio dela, como confessou em seu livro: “É uma boa canção, mas já deu no saco. Quando o assunto é Motörhead, a primeira coisa que as pessoas pensam é ‘Ace Of Spades’. Não viramos fósseis após esse álbum, fizemos coisas bacanas desde então, mas os fãs sempre querem ouvi-la, então a tocamos todas as noites, mas pra mim ela já deu o que tinha que dar…”
“(We Are) The Road Crew” foi escrita por Lemmy em dez minutos e virou hino daqueles que fazem a coisa acontecer no palco, os roadies. O impacto da letra de Lemmy foi tamanho que um membro da equipe do grupo chorou ao ouvir a banda tocar a canção pela primeira vez. Detalhe: Lemmy fez questão de levar todos os roadies pra dentro do estúdio para ouvir a nova homenagem. Em doze faixas impecáveis e viscerais, ficava provado que o Motörhead atravessava sua melhor fase.
A divertida foto da capa parecia ter sido capturada no meio de um deserto mexicano, mas na verdade foi feita numa pedreira desativada ao norte de Londres, durante uma manhã fria de outono. Segundo Lemmy, “Fast” Eddie Clarke tinha vontade de ser Clint Eastwood, e foi do guitarrista a ideia de se vestir como pistoleiro do oeste. Um fato curioso é que somente Lemmy já havia estado nos EUA naquela altura dos acontecimentos, pois havia excursionado por lá com o Hawkwind.
Foi só o disco ser lançado, no mês de novembro, que a demanda por aparições (já costumeiras) da banda no programa televisivo Top Of The Pops triplicou. O trio gravava essas aparições sempre dublando, como fazia a maioria dos convidados, e sem esquentar muito a cabeça. Raras exceções foram às bandas que fizeram ao vivo, como o Who e o Iron Maiden, por exemplo. O que o Motörhead nunca fazia era priorizar o Top Of The Pops ao invés de um show. Se eles estivessem em excursão e pintasse o convite, eles faziam o show e deixavam a TV de lado. Lemmy preferia perder uma audiência “fake” de cinco milhões de pessoas e ganhar mil ou dois mil fãs verdadeiros a cada show. Além disso, o baixista gostava de fazer valer a grana investida pela garotada nos ingressos. Era comum os integrantes terminarem o show, pegarem uma cerveja cada um e ficar distribuindo autógrafos aos fãs após os concertos.
Evidente que Lemmy, “Fast” Eddie e “Animal” Taylor tinham personalidade de sobra, e isso ficou ainda mais claro quando em agosto daquele ano de 1980 eles recusaram o convite para tocar na primeira edição do festival Monsters Of Rock, em Castle Donnington, e também no já famosíssimo Reading Festival. A razão? A “Over The Top Heavy Metal Brain Damage Party”, o festival particular da banda.
Enquanto isso, o jornalista Gary Bushell escreveu no semanário musical britânico Sounds: “Em Ace Of Spades o trio está mais rápido, pesado e bombástico do que nunca; e esse é o melhor trabalho do conjunto até agora. A bolacha varreu a nossa redação como um ciclone, e até Geoff Barton precisou reclamar que estava muito alto. Como diz o press release, somente os títulos das faixas já é capaz de fazer o seu ouvido sangrar. Esse álbum não é recomendado aos covardes. Terminado o disco eu só tenho uma certeza: de que Motörhead é Heavy Metal no mais significativo sentido do termo. Todo os demais grupos são puro fingimento…”
Em outubro o trio dá início à Ace Up Your Sleeve Tour, contando com Girlschool, Vardis e Weapon como bandas de abertura. Lemmy em White Line Fever: “Essa turnê foi uma produção gigantesca. Rodamos toda a Inglaterra com o equipamento de luz e o avião da tour do Bomber, com o fundo do palco da tour de Overkill, que tinha olhos iluminados e nos primeiros shows da excursão a gente ainda tinha uns tubos de luz que formavam uma carta de baralho gigante com o ‘ace of spades.’”
Para aproveitar o embalo dessa loucura toda, o antigo selo do grupo, a Chiswick Records solta um EP chamado Beer Drinkers EP, com quatro faixas (não lançadas) das sessões “do primeiro álbum lançado por eles”, Motorhead, de 1977. Já a Bronze, nem besta nem nada, solta uma edição limitada de um 12” de Ace Of Spades / Dirty Love, com o trio vestido de Papai Noel na capa! Um barato. Bem no meio da Ace Up Your Sleeve Tour, uma batida policial num hotel em que banda e equipe estavam hospedadas dá um susto geral no pessoal. Onze membros da entourage são detidos (da banda somente “Animal” Taylor), investigados e depois liberados pela polícia. Mesmo assim ameaças de mais batidas rondaram todo o restante da excursão.
O auge da tour aconteceu nas quatro noites em que a banda se apresentou em solo sagrado, no Hammersmith Odeon. Segundo testemunhas, aconteceu após o último show, no Clarendon Hotel, uma selvagem festa “natalina” organizada pela gravadora, com strippers que cuspiam fogo e tudo mais… Lemmy odiava essas ocasiões, onde ele se sentia pressionado a ser sociável com jornalistas e socialites: “Após um show eu prefiro sair sozinho com uma garota e ir a um bar qualquer ou me divertir no fundo do ônibus. Nessa época eu estava saindo com uma bela garota chamada Debbie, e assim que o show do Hammersmith acabou eu dei o baixo para o meu roadie, agarrei Debbie e saí com ela em direção à porta do teatro, junto do pessoal que estava saindo do meu próprio show. Alguns me olhavam e comentavam: ‘Olha! É o Lemmy’. E outros diziam: ‘não poder ser, é claro que não é’. Ninguém poderia acreditar que eu tinha saído tão rápido do palco, então ninguém me abordou, ou pediu autógrafo. Foi engraçado, pois eu enganei todo mundo…” Falando em jogar, apostar e enganar, esse era o mote principal da letra de “Ace Of Spades”.
No final de dezembro o Motörhead se mandou para a Irlanda para mais alguns shows. Depois do show em Belfast, Phil “Animal” Taylor leva a pior numa entorpecida brincadeira com um irlandês que era o dobro de seu tamanho. Ambos rolam abaixo a escadaria do hotel onde o grupo estava hospedado, com Taylor quebrando três vértebras de seu pescoço, e tendo sorte de não ter perdido os movimentos “do pescoço pra baixo” por toda a sua vida. Segundo Lemmy isso era até comum, já que o baterista estava sempre se envolvendo nesse tipo de acidente e que por pouco ele não escreveu um livro chamado “Os hospitais que eu conheci ao redor da Europa”, ou coisa do tipo.
O Motörhead terminava então o ano de 1980 adiando sua próxima turnê em função do acidente de seu baterista, que precisava ficar de molho por alguns meses. A ocasião, no entanto, foi proveitosa, já que o Motörhead aproveitou o tempo vago e se uniu ao Girlschool para gravar o lendário The St. Valentynes Day Massacre EP, no início do ano seguinte.
A reputação do Motörhead naquele ano refletiu na votação de “melhores do ano” da Sounds, onde os três integrantes do grupo apareceram no topo de quase todas as categorias. Na categoria “símbolo sexual masculino”, Lemmy ficou em segundo lugar, só perdendo para David Coverdale: “Eu não me importo, ele tinha mais cabelo do que eu”, ressaltou o baixista em sua autobiografia.
Ta faltando uma capa do PZ com Motörhead! Seria bom demais ver o que vcs tem pra falar da banda!! Abraço!