As aventuras de Alex Chilton pelo Box Tops, Big Star e carreira solo

“O ideal para mim seria ganhar um monte de dinheiro, mas sem que ninguém te reconhecesse na rua. A fama é muito pesada para sair carregando por aí”

por Bento Araujo     23 abr 2013

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“As pessoas costumam dizer que o Big Star fez alguns dos melhores discos da história do rock. O que eu digo para essas pessoas é que elas estão completamente equivocadas…”

Nos últimos 20 anos esse cara cedeu apenas três entrevistas e em todas elas se recusou a falar de sua mais genial criação, o Big Star. Será que estamos mesmo todos errados ou Mr. William Alexander Chilton queria confete? Segundo um jornalista britânico chamado John Mulvey, Chilton é o tipo de músico que “sempre atirou no próprio pé, e nos dois, uma bala por vez em cada dedo…”

Bem vindo à trajetória do sujeito que criou os “Beatles da Dixieland”.

Em uma de suas derradeiras entrevistas, cedida para um jornalista/fã chamado Martin Aston, na primavera de 1986, Chilton não hesitou em dizer: “Na época do Big Star eu ainda estava aprendendo a compor… Eu ainda me vejo como um pobre compositor. Algumas das minhas composições são boas, mas a maioria não prestam… Sempre me surpreendo com a maneira como as pessoas admiram o Big Star”.
Esse grupo de pessoas (que segundo Chilton, não sabem o que estão fazendo) recentemente tem o que comemorar, já que o respeitável selo Rhino colocou no mercado no ano passado um box de quatro discos do Big Star chamado Keep An Eye On The Sky, que passa a limpo a tortuosa, irregular e dolorosa trajetória da banda.

Chilton foi flagrado por aí, em backstages, falando animadamente com fãs a respeito de jardinagem e/ou a Guerra Civil Americana… Quando alguém chegava perguntando algo sobre o Big Star, Chilton chegava a se comportar de forma hostil e rude… Para ele, a década de 1970 foi a sua “década perdida”.
Chilton nasceu em 28 de dezembro de 1950, em Memphis, Tennessee e por pura sorte veio cair numa família estritamente musical. Seu pai era saxofonista e pianista numa big band e ensinou ao jovem Alex as malícias e virtudes do jazz e do swing. Seu irmão mais velho era fanático pela musica negra, doo woop e soul, e o rádio não parava de tocar country. Nisso pintaram os Beatles e toda a Invasão Britânica, além dos certeiros hits de três minutos do mais poderoso selo local, a Stax. Segundo Chilton, obcecado confesso pelos Beatles, essa foi a época áurea da música, até a psicodelia surgir e acabar com tudo, “deixando a cena extremamente pretensiosa”.

Com um estilo rebelde a la James Dean, Chilton deixou o cabelo crescer, comprou uma guitarra e seguiu em frente, curtindo com a mesma intensidade Beatles e soul da Stax. Com uma certa reputação na cena local, Chilton foi convidado a integrar um grupo branco de soul, na verdade um projeto de estúdio batizado como The Box Tops, quando tinha apenas 16 anos de idade. A banda foi responsável por grandes compactos da época como “The Letter”, “Soul Deep”, “Neon Rainbow”, “Cry Like a Baby” e “Trains & Boats & Planes”. Apesar da excelente repercussão nas paradas, no rádio, e até na TV (no You Tube é possível conferir vários programas de TV da época com a banda), Chilton estava incomodado com a extenuante rotina de gravações e com o fato dele ter que fazer o que os produtores mandavam.

Era simples: ou ele obedecia o pessoal mais velho do grupo, ou teria que voltar para a escola. O jeito foi esperar até os 18 anos de idade para poder fazer o que bem entendia, ou seja, sair da banda e montar um novo projeto… Até isso acontecer, Chilton passou então quase dois anos fumando muita maconha, bebendo e se tornando um cara mais introspectivo e avesso ao estrelato.

Com a maioridade adquirida e, influenciado pelo estilo do guitarrista da Stax, Steve Cropper, Chilton começou a gravar como artista solo no Ardent Studios de Memphis. Essas primeiras sessões de Chilton como solista foram engavetadas e somente lançadas em 1996, sob o nome de 1970. Na época, nenhum selo se mostrou interessado o suficiente para colocar o trabalho na praça.

Chilton, frustrado e sem perspectivas, deixou a barba e o cabelo crescer e buscou abrigo na cena folk do Greenwich Village novaiorquino, onde finalmente conheceu um de seus ídolos, Roger McGuinn, dos Byrds. Ainda em Nova York, Chilton recebeu a visita de um amigo de Memphis, um garoto chamado Chris Bell, que tocava numa banda chamada Jynx, um grupo tributo a Kinks e Byrds. Nesse ínterim pintava um convite irrecusável para Chilton: assumir os vocais do Blood, Sweat & Tears, banda de extremo sucesso comercial na época. “O som de vocês é muito comercial”, essa foi a desculpa do vocalista, que mandou o pessoal ir passear.

De volta a Memphis, Chilton procurou por Bell, que nessa época estava tocando em duas bandas: Rock City e Icewater, ambas vidradas em pop na onda do Badfinger. Junto de Bell nessas bandas estavam o baixista Andy Hummel e o batera Jody Stephens. Esse trio e mais Chilton montaram então o Big Star, em 1971.

É aqui que entra a importância e influência de uma cidade como Memphis no som da banda, principalmente pelo fato deles gravarem no estúdio Ardent. O clima relaxado do local deixou Chilton e Bell completamente à vontade. Em Memphis, ao contrário de cidades como Los Angeles e Nova York, ninguém pressionava um músico para ele se transformar em algo que certamente não queria e isso fez a cabeça de Chilton. John Fry, um dos proprietários do estúdio, gostou de imediato das composições dos rapazes e resolveu dar uma mãozinha. O resultado foi #1 Record, obra seminal do power pop, legado imortal da dupla Chilton/Bell, algo como Lennon/McCartney do sul dos EUA.

#1 Record trazia ótimas composições e competência pop de sobra, como na vigorosa “Feel”; na cadência pop irresistível de “My Life Is Right”; nas confessionais “Give Me Another Chance” e “Watch the Sunrise”; e nas belíssimas baladas adolescentes “Thirteen”, “Try Again” e “The Ballad Of El Goddo”. O maior “sucesso” do álbum foi “In The Street”, que anos depois seria regravada pelo Cheap Trick como tema de abertura da série de TV That’s 70s Show.

Com esse primeiro registro, o Big Star foi exaltado com empolgação pelos críticos, que consideravam o grupo uma espécie de link perdido entre o merseybeat e a new wave, porém surgido numa dimensão musical inóspita à essas sonoridades. A Stax colocou o disco na praça em junho de 1972, porém o pequeno furor ao redor do lançamento durou apenas seis meses. Logo após esse período o selo teve um problema com seus distribuidores (com a Columbia especificamente), então passou a ser praticamente um martírio encontrar o álbum nas prateleiras. As vendas foram mínimas.

O fato do Big Star ser amaldiçoado por executivos de gravadora e distribuidores fonográficos não ajudava… Somado a isso estavam os problemas com drogas e álcool e as brigas internas, com os integrantes chegando a se agredirem fisicamente em algumas ocasiões. Essa confusão toda contribuiu para a depressão pesada de Bell, que deixou o grupo, e no final de 1972, estava tudo acabado.
Chilton, Hummel e Stephens resolvem trazer o grupo de volta, como um trio, e assim lançam Radio City, em 1974, mais uma obra prima do pop de qualidade. Mesmo sem ser creditado, Bell contribui com algumas composições certeiras, o que elevou ainda mais a qualidade do trabalho. Hummel decide então largar a banda e ter uma “vida normal”, assim sobraram Chilton e Stephens, que no final de 1974 gravam o terceiro álbum, Third/Sister Lovers, com assistência de músicos de estúdio e do poderoso produtor Jim Dickinson. O excelente trabalho foi oferecido a vários selos, mas ninguém se interessou, então o jeito foi ir direto para a gaveta.

Third/Sister Lovers saiu finalmente em 1978, mesmo ano da trágica morte de Chris Bell, aos 27 anos, vítima de um acidente automobilístico. Nessa época o Big Star não existia mais e Alex Chilton havia abandonado Memphis e foi morar em Nova York. Lá ele se apresentava como “Alex Chilton and the Cossacks” e tocava direto no CBGB, apresentando material próprio, coisas do Big Star e também fazendo covers dos Seeds, sempre acompanhado de Richard Lloyd, do Television. Essa nova fase mais “punk” de Chilton começou a refletir em sua carreira, principalmente quando ele trouxe os Cramps para Memphis e lá produziu os clássicos Gravest Hits EP e Songs the Lord Taught Us. Em 1979 Chilton soltou, em apenas 500 unidades, talvez seu álbum solo mais subestimado, Like Flies on Sherbert, outro marco até hoje incompreendido do rock do final dos anos 70.

Chilton passou então a trabalhar ao lado do Panther Burns, combo psychobilly de Tav Falco, e se mudou em definitivo para New Orleans. Chegou a abandonar a música ocasionalmente, indo trabalhar com jardinagem e até como lavador de pratos quando a coisa apertava. De 1984 em diante, passou a se concentrar mais em sua carreira como solista e foi homenageado pelos Replacements, com a canção “Alex Chilton”. Em troca, deu uma canja na bolacha da banda de Minneápolis. Nos anos 80, muitas outras bandas importantes, como o REM, passaram a declarar sua admiração pelo trabalho de Chilton. A empolgação foi tamanha que, em 1993, Chilton reativou o Big Star, que desde então vinha se apresentando pelo mundo e gravando discos, como In Space, lançado em 2005. No ano passado, com o box da Rhino, a banda voltava a ser bastante falada no meio musical.

Em 17 de março de 2010 veio a triste surpresa: Chilton faleceu devido a um ataque cardíaco fulminante, em New Orleans, com apenas 59 anos de idade. Três dias depois ele iria se apresentar com o Big Star no South by Southwest, um mega festival em Austin, Texas.

Para terminar, uma frase bacana que define a personalidade atroz de Mr. Chilton:
“O ideal para mim seria ganhar um monte de dinheiro, mas sem que ninguém te reconhecesse na rua. A fama é muito pesada para sair carregando por aí. Eu não quero ser como Bruce Springsteen. Eu não preciso de tanto dinheiro e não quero 20 seguranças me seguindo. Se eu ficasse realmente famoso, os críticos não gostariam tanto de mim. Eles gostam de promover as zebras musicais”.

O Essencial de Alex Chilton

The Box Tops: Soul Deep (1996) ****

Coletânea certeira dos Box Tops. Chilton quase adolescente, mas cantando como gente grande em compactos que marcaram os 60s, como “The Letter” e outros. Blue Eyed Soul de primeira!

Big Star: #1 Record (1972) *****

O primeiro álbum do Big Star é uma obra prima do início ao fim, 12 faixas impecáveis que por si só formam uma das cartilhas mais seguidas do power pop. Rocks acachapantes + baladas irretocáveis…

Big Star: Radio City (1974) ****1/2

Segundo registro do Big Star, agora com Chilton assumindo total liderança após a saída de Bell. Mais uma obra prima, com hinos do porte de “September Gurls” e “What’s Going Ahn”.

Big Star: Third/Sister Lovers (1978) ****

Terceiro álbum do Big Star que ficou engavetado por anos. Mais melancólico, dissonante e vanguardista, é o preferido de uma parcela de seguidores mais “deprês” de Chilton.

Alex Chilton: Like Flies on Sherbert, (1979) ***1/2

O disco solo “maldito” e underrated de Chilton, onde ele reúne sons autorais, mais interpretações peculiares para temas de Carter Family, Jimmy C. Newman, Ernest Tubb e até KC and the Sunshine Band!

Big Star: Keep an Eye On the Sky  (2009) *****

Box lançado recentemente pela Rhino que passa a limpo a carreira do Big Star, incluindo muitas raridades, outtakes e sons inéditos. Obrigatório!

Texto originalmente publicado na pZ 30.

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