Um tributo pessoal ao mestre da slide guitar
Vocês não vão acreditar, mas irei contar assim mesmo.
Durante uma bela tarde de inverno, interrompemos o trabalho aqui na redação da pZ para o obrigatório café. Estou conversando com meu amigo Ricardo Alpendre e ele me pergunta quem será a capa da nova edição. Dentre muitas opções, disse a ele que eu gostaria muito de fazer uma capa com o Johnny Winter.
Na minha cabeça seria bacana fazer uma capa com um ícone da guitarra, do rock e do blues, que completou 70 anos de idade este ano. Apesar dos seus problemas de saúde, na minha cabeça seria importante homenagear Winter ainda em vida.
Mas não deu tempo. Duas semanas se passaram daquela tarde e no dia 16 de julho veio a notícia: Johnny Winter havia morrido.
Como todo sangue bom do blues, morreu literalmente na estrada, em seu quarto de hotel, em Zurique, enquanto fazia sua enésima turnê europeia.
Para muitos de seus amigos e fãs, o fato de ter conseguido chegar aos 70 já foi um milagre. Por diversas vezes, Winter quase morreu de overdose, ou de alguma doença relacionada ao seu uso de drogas pesadas, como a heroína. Boatos de sua morte também rondavam a imprensa musical com certa frequência.
Sua presença num palco brasileiro foi anunciada diversas vezes dos anos 80 pra cá, mas ele veio mesmo somente uma vez, em 2010, quando tocou por diversas cidades brasileiras. Quando pintou a notícia de sua morte, o guitarrista tinha shows marcados para o mês de outubro pelo país.
Tive a oportunidade de assistir Winter novamente ao vivo em 2012, no Beale Street Music Festival, em Memphis. Ele foi o headliner do “palco blues” do evento e foi recebido como um tesouro da música norte-americana, o que na minha opinião de fato ele é. Neste show. mostrou a destreza de sempre no slide (pra mim Winter, Duane Allman e Jesse Ed Davis são os melhores “não negros” neste quesito), com sua inseparável Firebird no colo. Apesar dos evidentes sinais da idade e da saúde abalada, conseguiu tocar uma música inteira de pé, quando eu tirei esta foto ao lado. Foi ali, na beira do Rio Mississipi, olhando para Winter e para as águas do Rio que percebi o quanto aquele sujeito pertencia a tradição do blues. Quando me aproximei do palco, vi que debaixo daquele chapéu estava um senhor tocando em perfeito estado de transe, com seus olhos quase “virados”, como se estivesse possuído por um velho bluesman.
“Para mim, o blues é uma necessidade”, alegou Winter, que apesar de flertar constantemente com o hard rock e o boogie, nunca abandonou sua verdadeira paixão. Um de seus maiores sonhos foi realizado ao produzir, tocar e trazer de volta ao cenário o seu grande ídolo, Muddy Waters, na segunda metade da década de 70.
Meu primeiro contato com os discos de Johnny Winter foi visual, babando naquela contracapa de Captured Live!. Aquele gigantesco estádio abarrotado, Winter e banda de costas encarando a multidão em plena luz do Sol… É o tipo de foto que resume uma era do rock de estádio norte-americano da década de 70.
Depois de horas no saudoso Museu do Disco olhando aquele álbum, tomei a decisão de comprar Live Johnny Winter And, que na época era um lançamento exclusivo do Museu, vendido lacradinho e a preço de banana. Na mesma leva de exclusividades do Museu do Disco, peguei o álbum de estreia de outro guitarrista texano da pesada, Stevie Ray Vaughan, um súdito de Winter, tão súdito que compartilhou até o mesmo baixista de Johnny: Tommy Shannon.
O próximo passo foi comprar a estreia dele, The Progressive Blues Experiment, na primeira loja de discos que trabalhei, a Garage Discos, na minha querida Pompeia. Ali pegava também as maiores boiadas, numa época onde o CD apareceu e estava em alta, com gente largando suas coleções de LPs literalmente no poste, para algum catador de lixo levar. Assim adquiri Second Winter, duplo e importado, com todo o charme dos três lados gravados e um em branco e aquele calibre da prensagem da Columbia, de selo vermelho e tudo mais.
Recentemente havia sido lançado um box de quatro CDs do guitarrista, True to the Blues: The Johnny Winter Story, que indiquei inclusive numa das últimas edições da pZ. Winter se foi, mas deixou um novo disco de estúdio terminado: Step Back, que sai mês que vem e conta com participações de bambas como Eric Clapton, Billy Gibbons, Joe Perry e outros.
Abaixo uma playlist com os meus sons favoritos do bom e velho Winter.
Bye Bye Johnny