O melhor álbum ao vivo da história do rock segundo os leitores da poeira Zine
Quando o grupo embarcou para sua primeira tour japonesa, eles só pensavam em trazer de volta algumas lembrancinhas para a família. Depois de três avassaladoras performances, voltaram com o melhor disco ao vivo da história do rock, algumas doenças venéreas e a certeza de que a melhor formação da banda estava indo pro vinagre.
Se não fosse uma típica tradição japonesa você talvez não estivesse ouvindo agora seu disco ao vivo favorito de todos os tempos.
Desde os anos 60 que o mercado fonográfico japonês tinha a tradição de lançar discos ao vivo registrados durante shows de bandas internacionais pelo país. Além de funcionar como suvenir da turnê, o lançamento exclusivo geralmente também alavancava as vendas de todo o catálogo disponível do grupo. Muitas vezes o lançamento do disco ao vivo já estava incluído nos contratos que eram oferecidos aos grupos ocidentais e com o Deep Purple não foi diferente.
A Warner/Pioneer do Japão resolveu então sugerir a idéia à banda britânica, que aceitou, mas colocou algumas restrições. Primeiro: o grupo usaria seu produtor e técnico de gravação de confiança, o lendário Martin Birch. Segundo: o equipamento de gravação local teria que ser aprovado por Birch. Terceiro: a última palavra teria que ser dada pela banda; depois de registrarem os tapes, eles que decidiriam se o produto seria lançado ou não.
A chegada do Deep Purple no Japão, em agosto de 1972, causou muita euforia. Centenas de jovens aguardavam no aeroporto, munidos de flores, presentes e brinquedos. Quem mais se impressionou com a hospitalidade nipônica foi o baixista Roger Glover, que se recusou a deixar o aeroporto internacional de Tóquio antes de autografar os discos de todos os fãs que lá se encontravam.
O mais apreensivo de toda a trupe não era nenhum integrante da banda, mas sim Martin Birch. Assim que chegou no país o produtor foi conferir o equipamento que a Warner havia lhe reservado para as gravações: uma unidade móvel de oito pistas que parecia não estar em seus melhores dias. A unidade era tão compacta que Birch por um momento pensou que tudo estaria arruinado.
Seguiram para Osaka, onde seriam registradas duas apresentações, no dia 15 e 16 de agosto. No dia 17 era a vez de Tóquio, onde o Deep Purple se apresentaria no sagrado Budokan.
No último show da pequena digressão, uma cena emocionou a todos. Cerca de 13 mil garotos e garotas cantaram letra por letra a canção “Child In Time”. Chegar no outro lado do mundo e saber que todos sabem de cor a letra de suas canções foi algo demasiadamente prazeroso para Roger Glover: “Se existe um momento na minha carreira que tive orgulho de fazer parte do Deep Purple, esse momento foi aquele”.
Os três shows apresentados tiveram um repertório bem semelhante, com exceção das encores, com a banda alternando entre “Lucille” e “Speed King”.
Voltando para a Inglaterra, Birch e o grupo estavam rezando para poder aproveitar o material registrado no gravador de oito canais. Birch ouviu tudo num estúdio londrino e para sua alegria a gravação estava impecável nos shows de Osaka e um pouco a desejar no show de Tóquio. Ian Paice e Roger Glover foram os únicos integrantes que acompanharam a mixagem, o resto do pessoal não deu as caras como relembra o produtor: “Nem Ian e nem Ritchie apareceram para ouvir os tapes. Aliás, não tenho certeza, mas desconfio que até hoje eles não ouviram esse material na íntegra”.
Depois de mais uma tour pela América, apenas em novembro a banda deixou escapar na imprensa seus planos de um live album: “Todas as nossas apresentações no Japão foram gravadas para serem lançadas por lá. Depois de um tempo estamos pensando em lançar este material também na Inglaterra. Existem tantos discos piratas por aí que se colocarmos no mercado nosso próprio registro ao vivo ele certamente vai acabar com todo esse mercado ilegal” disse Roger Glover.
Made In Japan chegava então nas lojas inglesas naquele fim de ano, mas o mercado norte-americano resolveu esperar até o próximo álbum de estúdio do grupo, Who Do We Think We Are, que acabara de ser gravado pela banda em Roma.
Ao ver as lojas abarrotadas de lps importados da Inglaterra, a Warner americana resolveu voltar atrás e soltar o duplo ao vivo rapidamente, que chegou a tempo de pegar o lucrativo natal de 1972. Ho ho ho…
Uma exigência do grupo foi que o álbum duplo fosse vendido com preço de simples (certamente no Brasil isso passou batido!). Para eles não fazia sentido o fã gastar uma grana preta com um elepê que continha várias canções de um álbum que também tinha sido lançado recentemente, no caso o clássico Machine Head.
Isso impulsionou mais ainda as vendas, com a bolacha chegando na 16º posição da parada inglesa. Na América ele chegou no top ten, graças ao sucesso de “Smoke On The Water”, um single lançado às pressas por lá, trazendo a versão ao vivo e a de estúdio. A versão ao vivo foi a única pinçada por Birch da primeira apresentação de Osaka. Simplesmente por ter sido a única vez da tour em que Blackmore tocou o riff de forma correta.
Outro hit, “Black Night”, inexplicavelmente ficou de fora do disco, sendo lançada somente como compacto no Japão (como lado A) e em alguns países da Europa (como lado B).
Quem não andava muito contente com o bom desempenho da bolacha era Ian Gillan. O vocalista sempre foi famoso por possuir uma quase doentia auto-crítica e com sua atuação em Made In Japan não poderia ser diferente. Mesmo anos depois o Silver Voice não está satisfeito com o disco.
“No primeiro show de Osaka eu estava muito cansado, pois no dia anterior tinha viajado direto da Inglaterra para o Japão. A minha melhor performance acabou sendo a da última noite, em Tóquio, mas quase não pudemos usar nada desta apresentação, pois a acústica do lugar não ajudou, então acabamos dando prioridade aos sons registrados na segunda noite. Eu tinha acabado de passar por uma crise de bronquite e estava sendo difícil ter uma boa atuação naquela tour japonesa”. Apesar de manter sua opinião por todos esses anos, Gillan sabe da importância do registro: “Se tratando de uma gravação ao vivo realizada em 1972, a qualidade é fenomenal. Os tapes não foram mexidos, não fizemos sequer um overdub ou algo parecido. De qualquer forma, pra mim foi decepcionante lançar este material, pois tenho vergonha da minha atuação nele, porém naquele instante precisei ponderar o que seria melhor para toda a banda”.
Depois que Peter Frampton lançou seu Frampton Comes Alive, em 1976, os discos ao vivo passaram a ser um bom negócio para as gravadoras e serviam também para um grande grupo poder respirar, tirar umas férias por um tempo e aprontar outro álbum de estúdio; enquanto as vendas permaneceriam em alta de qualquer maneira.
Em 1972, o disco ao vivo não era encarado dessa forma. Era na verdade um extra; um bônus; e isso certamente acabou sufocando o Deep Purple e acelerou o processo de deterioração da MKII, a segunda e mais clássica formação da banda. Em cerca de apenas um ano, o Purple lançou dois álbuns de estúdio, um duplo ao vivo e excursionou sem parar pelo mundo.
Segundo Ian Paice, ninguém na banda curtia a atmosfera do estúdio. Quem ouviu Made In Japan pelo menos uma vez na vida sabe que o baterista está completo de razão.
BANZAI!
Coisas que só poderiam ter acontecido no Japão
Durante as apresentações no Japão, o Deep Purple contou com os trabalhos de uma eficaz equipe de segurança.
Antes dos shows começarem; os seguranças formavam uma fileira encostada no palco e se sentavam entre a banda e a platéia, virados de frente para a última. Caso algum fã se empolgasse muito ele seria colocado pra fora imediatamente. Os seguranças eram extremamente gentis e andavam com roupas normais; não estavam uniformizados e cada um deles era faixa preta em caratê.
Logo na primeira apresentação, Ritchie Blackmore arrebentou sua guitarra no final do show e jogou o que sobrou dela de presente para o público, praticamente petrificado com o ato de violência do guitarrista. Imediatamente os seguranças pularam no meio da platéia, deram porrada em alguns fãs e depois de algum esforço trouxeram de volta os pedaços da guitarra para Blackmore.
Roger Glover estava com cara de desespero, Ian Paice sacudia os ombros meio como se quem dizia: “Que porra é essa?”, e Jon Lord apenas dava risada.
Mas Blackmore não estava achando nada engraçado, pelo contrário, estava ficando cada vez com mais ódio e gritava para os seguranças: “Eu não quero de volta! Eu não quero de volta!”. Os seguranças apenas sorriam e saudavam o guitarrista agitando a cabeça, como os orientais costumam fazer. Eles só sacaram o intuito de Blackmore quando esse repetiu seu ato de oferecer os destroços aos fãs por mais duas tentativas…
Outra gozação da banda pra cima dos rígidos costumes japoneses acontecia sempre que eles adentravam o palco. Por lei, os shows tinham que começar as seis e meia da noite, então a primeira coisa que Ian Gillan falava no microfone era “Good Morning!”.
Woman From Tokyo
Logo após sua primeira apresentação em Osaka, o Deep Purple estava tendo de encarar tensões vindas de todos os lados. Martin Birch estava apreensivo com a qualidade do equipamento disponível e com as gravações. Gillan estava apreensivo com seu estado de saúde e Blackmore estava aborrecido com sua atuação, tanto que espatifou sua guitarra no bis do primeiro show.
Como restavam apenas mais dois shows e a ‘grande’ performance ainda não tinha sido registrada, a melhor saída para os rapazes era relaxar. Foi aí então que o promotor japonês da tour resolveu levar toda a banda para uma casa de massagem, onde todas as tensões poderiam ser aliviadas.
Segundo um artigo publicado numa revista da época, os integrantes requisitaram uma variedade de massagens maior do que um simples corpo humano poderia agüentar e os detalhes deste episódio poderiam preencher o conteúdo de algumas centenas de livros de sacanagem.
Num primeiro momento a idéia era lançar o disco ao vivo somente no mercado japonês. Então foi natural que a gravadora japonesa cuidasse de toda a parte gráfica do novo lançamento do Deep Purple e ele foi ‘ligeiramente’ diferente do lançado posteriormente no resto do mundo.
A capa da edição japonesa trazia uma foto ‘aérea’ do grupo tocando no Budokan Nippo Hall de Tóquio e um nome diferente: Live In Japan. A parte interna do elepê capa dupla trazia um book de fotos coloridas, inexplicavelmente extraídas de uma apresentação no Rainbow Theater de Londres, ao invés de algum retrato da tour japonesa. Cada foto individual acompanhava uma mensagem assinada pelos integrantes. Além do tradicional encarte com as letras em inglês e em japonês e do Obi (aquela tarja que envolve o disco), a primeira prensagem de Live In Japan vinha com um negativo de 35 mm trazendo uma foto da banda no palco. A partir dele os fãs nipônicos poderiam revelar uma bela foto de sua nova banda favorita.
Para o resto do mundo o disco saiu com um design simplório de Roger Glover e com fotos do show do Rainbow londrino. Outro detalhe que impulsionou a importação da versão japonesa foi o fato dela erroneamente dizer em sua capa que o conteúdo era extraído apenas do show de Tóquio. Os importadores britânicos insistiam na informação e garantiam que o disco japonês continha performances diferentes; é claro que estavam visando encher o bolso de dinheiro. Na verdade o conteúdo das edições era idêntico: uma compilação do melhor das três apresentações.
Excelente texto, muitas curiosidades sobre álbum que eu não sabia.
Para mim esse álbum é imbatível como registro ao vivo, mostra uma energia da banda sem igual, os improvisos e performances de cada integrante são sensacionais.
Sou apaixonado nesse disco.
, Child in Time ficou sensacional.Uma viagem.
LIVE AND DANGEROUS é ótimo, YESSONGS triplo do Yes é ótimo, Filmore dos irmãos ALLMANN é ótimo, LIVE AT THE LEEDS é ótimo, Gets ya-ya dos Stones também, sem contar o BURSTING OUT do Jethro, mas este do D.Purple é simplesmente de outra galáxia………
o tenho em vinil e impressionante como soa atual mesmo depois de mais de 40 anos insuperável,como vinho
Gosto desse “made..”, embora prefiro os lives com Coverdale e Hughes, que são mais suingados e os improvisos vocais do “The Voice Of Rock” Mtr. Glenn Hughes são demais !
Legal esse texto. Não conhecia essa história. O Purple é uma das minhas bandas favoritas e sinto falta de livros sobre ela aqui no BR.
Um detalhe dito pela própria banda na época : Não acreditamos em albuns ao vivo,por isso pouco importa se gravarem os shows ou lançarem.Vamos tocar como em qualquer concerto. Talvez por essa despretensão,que a banda se sentiu a vontade e o resultado é conhecido. Detalhe : No dia 16 em Osaka tocaram Lucille,de Little Richard no encore . Pra mim o maior duplo ao vivo de todos os tempos e de toda a galaxia.
Naquele começo de anos 1970,” Made in Japan’ já era considerado um classico do Heavy Metal. Hoje existe na internet, uma das apresentações da banda na integra!!Valeu!!! – marcio “osbourne” silva de almeida – joinville/sc
Machine Head e Made In Japan são os melhores discos já gravados desde a história da criação do mundo! O Deep Purple sempre foi o melhor grupo. Ao vivo, melhoravam o melhor! Abraços!
Seus discos de cabeceira né Chicão rss. Abraços.