Ela compôs e cantou hinos de uma geração; foi amiga de Janis e amante de Morrison; tomou mais drogas que Amy Winehouse e foi em cana mais vezes que Keith Richards e Lemmy juntos.
Ela foi peça fundamental de uma das maiores bandas psicodélicas de todos os tempos. Com sua coragem e beleza, enfrentou de peito aberto a paz de Monterey, o amor de Woodstock e o horror de Altamont. Compôs e cantou hinos de uma geração; foi amiga de Janis e amante de Morrison; tomou mais drogas que Amy Winehouse e foi em cana mais vezes que Keith Richards e Lemmy juntos. Bem-vindo aos 75 anos de vida de Grace Slick.
Este texto começa a tomar forma justamente quando estou assistindo a uma apresentação do Jefferson Starship, que há uns bons anos não conta mais com os serviços da cantora. “Por onde anda Grace Slick?”. Essa é a pergunta que me faço e que mais ouço naquela noite de quinta-feira. Na estrada, rumo à sobriedade, ela abandonou os palcos em troca de suas pinturas. Acorda todos os dias às quatro da manhã para pintar e vender suas obras para aqueles que não precisam de música, ou drogas. Claro que não é esse quociente corporativo que a sustenta e paga por sua aconchegante casa em Malibu, mas, sim, os cheques que chegam pelo correio, referentes aos direitos autorais de suas imortais composições, hoje entoadas por Paul Kantner e uma cantora cover, na nova versão do Starship.
“É uma banda vendida! O Airplane era ótimo, mas o Starship eu odeio. Nosso grande hit, ‘We Built This City’ é horroroso. Eu não gosto de ver pessoas da minha idade cantando sobre seus sentimentos de quando tinham 23 anos. Meu Deus, saia do palco e se torne um produtor, ou coisa parecida. Se você precisa de dinheiro, vá em frente, o que não é o meu caso”, relatou Slick recentemente na revista Classic Rock.
O dia 16 de outubro de 1966 foi o grande dia da vida de Grace Slick. Foi quando ela fez sua estreia com o Jefferson Airplane, no Fillmore de San Francisco. No dia anterior, o grupo havia se despedido, em pleno palco, de Signe Anderson, sua primeira vocalista. Marty Balin ofereceu flores a Anderson, Bill Graham incitou aplausos e lágrimas. No dia seguinte, Slick optou por estrear de maneira inusitada – pegou fila junto dos fãs e entrou no palco pela porta da frente e não pelo backstage. Ganhou de imediato simpatia e admiração dos fãs. Sacando que os Charlatans se vestiam bem e causavam um impacto, passou a se vestir com as roupas e vestidos mais transados da Haight-Ashbury.
Slick era jovem, porém experiente, pois vinha da banda The Great Society, formada ao lado de seu primeiro marido, o baterista Gerald “Jerry” Slick. Deixou de lado a carreira de modelo e de estudante de arte para cantar, inicialmente baseando-se nos timbres mais graves da guitarra e do baixo, seu instrumento predileto. Com o Great Society, escreveu duas músicas que levaria para o Airplane: “Somebody To Love” e “White Rabbit”, mais do que apenas os dois maiores hits do grupo, dois hinos da década de 1960. Slick escreveu “White Rabbit” sob influência de LSD, Alice no País das Maravilhas, Ravel e 24 horas escutando a versão de Miles Davis para Sketches Of Spain. Ambas as canções estão em Surrealistic Pillow (1967), o primeiro disco dela com o Jefferson Airplane.
No ano seguinte a banda apareceu em rede nacional, tocando “Crown of Creation” no programa The Smothers Brothers Comedy Hour. Slick, sedenta por se manifestar em relação aos violentos conflitos raciais que sacudiam seu país, apareceu com o rosto pintado de preto e terminou sua apresentação com o punho erguido e cerrado, recriando o gesto de protesto dos Panteras Negras. Um ano depois, em 1969, foi a primeira pessoa a dizer a palavra motherfucker na TV americana, especificamente no The Dick Cavett Show, onde apareceu cantando a bela “We Can Be Together”, com o Jefferson Airplane.
“Eu era jovem, saudável e rica. Podia tomar todas as drogas e transar com quem eu quisesse. A Aids não existia e eu ainda era paga para viajar por todo o mundo e me vestir como desejasse. Só me arrependo de não ter transado com Jimi Hendrix e com Peter O’Toole”. Num cenário machista como o do rock, Slick estava apenas se divertindo, como todos os astros (homens) faziam. Uma de suas grandes conquistas foi Jim Morrison, quando o Airplane excursionou pela Europa com os Doors, em 1968.
No Belgravia Hotel, em Londres, passaram uma noite juntos, cobrindo seus corpos com morangos e outras frutas disponíveis: “Jim era um garoto muito bonito, mais bem dotado que a média. Eu gostava dele, assim como a maioria das mulheres. Ele era lindo, mas estava sempre passado; metade do tempo você sequer conseguia conversar com ele. Quando nos despedimos, eu disse para ele me ligar quando desejasse, mas ele nunca o fez, então, aparentemente, eu não sou boa de cama”, brinca Slick.
A tour europeia de 1968 foi um arraso, com pesado equipamento de som e luzes alucinantes. A coroação do Airplane veio com o cargo de um dos principais nomes na primeira edição do Festival da Ilha de Wight.
Sexo estava também nos planos de Slick quando ela ficou sabendo do convite de Mick Jagger, que queria conversar com a cantora e com Paul Kantner a respeito do concerto em Altamont. A dupla chegou na residência de Jagger esperando uma orgia regada a muitas drogas, mas foram recebidos com chá e uma conversa polida e formal. Ficou acertado que abririam o show dos Stones no autódromo. De qualquer forma, Slick declarou que não apreciava orgias: “Não sou contra, mas não sou boa em múltiplas tarefas. Gosto de um homem, uma criança, uma casa e um carro. Mais que isso, me confunde”. Confusão foi o que Grace e banda encontraram em Altamont. O show do Airplane foi interrompido diversas vezes e Marty Balin levou um soco de um membro dos Hells Angels, responsáveis pela “segurança” do evento. Quando aconteceram as mortes, durante o show dos Stones, o Airplane já estava voltando para o hotel em seu helicóptero.
Nos shows, além de enfrentar a plateia masculina de igual para igual e de lutar contra qualquer tipo de preconceito, Slick ainda tinha que duelar com a outra voz do Airplane, Marty Balin, seu maior rival. “Ele é o único da banda que nunca mais falou comigo. Sua esposa me liga uma vez por ano, quando está bêbada”, confessa Slick. A dupla Balin/Slick nunca se deu bem fora dos palcos e talvez, por isso, gerasse um impacto tão grande em cena. Talvez para ajudar a segurar a barra, Slick se envolveu de forma pesada com drogas e álcool. Num show, ela parou de cantar e ficou apenas ouvindo o baixo de Jack Casady. Em outro, um rapaz da plateia gritou: “Grace, tire seu cinto de castidade!”, enquanto a banda afinava seus instrumentos. A cantora olhou bem nos olhos do rapaz e falou: “Eu não uso nem calcinha”, levantando sua saia e agraciando as primeiras fileiras com a melhor visão de suas vidas. Grace faz sempre questão de ressaltar um detalhe de sua personalidade: “Eu depilava minhas pernas, mas falava como um caminhoneiro”. Seu comportamento errático e sua língua afiada lhe custaram algumas prisões. Numa ocasião chegou a apontar uma arma para um policial que bateu à sua porta depois de reclamações de seus vizinhos. Um de seus passatempos favoritos era descarregar um revólver, da janela de seu quarto, nas árvores do Golden Gate Park.
Sua atitude e postura durona foi ainda mais ressaltada quando apareceu na capa da revista Life trajando um uniforme da Girl Scouts of the USA, as corajosas escoteiras da América. Bastou para influenciar uma garota chamada Patti Smith e centenas de outras garotas que viriam a aparecer depois, na cena punk. É exatamente este uniforme que Slick está trajando na foto da capa desta edição da pZ.
A vocalista do Airplane tem outras peculiaridades em seu currículo, como ser expulsa da Casa Branca. Aconteceu numa festa onde foi convidada pela amiga Tricia Nixon, filha do presidente Richard Nixon. Grace chegou com o amigo, e ativista político, Abbie Hoffman (que era procurado pela CIA) e trouxe uma bolsa cheia de ácidos, que queria despejar secretamente no drink do presidente. Sua estratégia acabou sendo descoberta pelos seguranças e Slick não só foi expulsa da festa como entrou para a lista negra do FBI.
Voltando ao Airplane, ela entrou na banda basicamente para poder ter um affair com o baixista Jack Casady – “eu amo baixistas e Jack é o melhor de todos”, costuma dizer. Depois de Jack a vocalista teve um caso com o baterista Spencer Dryden, até começar uma relação mais séria com Paul Kantner, o terceiro integrante do conjunto com quem dormiu. Kantner e Grace inclusive tiveram uma filha: China Wing Kantner.
Musicalmente, não é exagero dizer que Grace Slick foi um dos mais originais talentos surgidos na cena psicodélica do rock de San Francisco. Depois de cinco discos de ouro, em três anos, com o Jefferson Airplane, ela passou boa parte dos anos 1970 cantando numa dissidência mais pop da banda, o Jefferson Starship. Em janeiro de 1974, iniciou uma esporádica e irregular carreira solo com o curioso álbum Manhole.
Sua fama de bad girl e seus vícios só aumentavam junto aos excessos daquela década. Em 1976, chegou a abandonar Kantner em troca do iluminador do Starship. Dois anos depois, foi demitida do grupo por aprontar num show em Hamburgo. Completamente chapada, ela achou que seria uma boa ideia subir ao palco marchando, trajando um uniforme nazista, e gritando “Hail Hitler”, naquela noite. Quando chegou ao microfone, gritou: “Quem ganhou a porra da guerra? É tudo culpa de vocês!”. Na Califórnia todos iriam achar um barato, mas Slick estava na Alemanha e aquilo foi uma ofensa. A plateia entrou em tumulto. Tomaram o palco e atearam fogo no equipamento do grupo, que precisou fugir. O público ainda furtou parte do equipamento que sobrou e jogou num rio. Kantner demitiu Slick imediatamente e assim ela perdeu a aparição da banda no conceituado Knebworth Festival, que aconteceu dias depois, na Inglaterra.
Grace Slick foi também a primeira estrela do rock a admitir que fazia parte dos Alcoólicos Anônimos. Foi internada em várias clínicas para se livrar do álcool e das drogas e isso ajudou para que voltasse a se apresentar e gravar com o Starship, e até em reuniões do Airplane, nas décadas de 1980 e 1990.
Hoje, as pinturas fazem mais a sua cabeça do que qualquer banda ou droga.
DISCOGRAFIA SELECIONADA
Jefferson Airplane – Surrealistic Pillow (1967)
O disco que apresentou Slick para o mundo é um clássico absoluto do rock. Inclui as versões originais e definitivas de hinos como “Somebody To Love” e “White Rabbit”.
Jefferson Airplane – Volunteers (1969)
O melhor e mais emblemático/engajado trabalho da carreira do Airplane. Controverso, profano e anti-guerra, gerou temas como a faixa título, “We Can Be Together” e “Wooden Ships”, de autoria de Crosby, Stills e Kantner.
Paul Kantner, Grace Slick, and David Freiberg – Baron von Tollbooth & the Chrome Nun (1973)
Enquanto o Airplane aterrissava, Slick e sua dupla de fé partiam num novo caminho antes da decolagem do Starship. O resultado é um disco agradável, com canjas da nata da cena de San Francisco.
http://youtu.be/MgxVGCfB9s4
Grace Slick – Manhole (1974)
Originalmente planejado como uma trilha sonora, acabou se transformando no primeiro disco solo de Grace Slick. Os 15 exóticos minutos de “Theme from the Movie Manhole” são o destaque.
Jefferson Starship – Red Octopus (1975)
Uma música em especial faz deste disco um registro obrigatório, “Miracles”, uma pequena pérola do soft rock “adulto”. Slick brilha em sua composição “Ai Garimasu”, onde também toca piano.
http://youtu.be/ulEtdHph-QE?list=PL184D19E58895B3B3
Artigo originalmente publicado na poeira Zine 50, uma homenagem à presença feminina no rock.
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