pZ Hero: Graham Bond

O guru que descobriu Jack Bruce, John McLaughlin, Dick Heckstall-Smith, Ginger Baker e outros…

por Bento Araujo     19 nov 2014

Ele foi um dos pais do r&b britânico e dizia ser filho bastardo de Aleister Crowley; foi também o primeiro sujeito a usar mellotron e a mortífera combinação de órgão Hammond com caixa Leslie; e o primeiro a montar um supergrupo de jazz-rock. Erga seu copo em saudação ao guru que descobriu Jack Bruce, John McLaughlin, Dick Heckstall-Smith, Ginger Baker e outros…

Graham-BondEm meados dos anos 60, Bond foi chamado às pressas pelo amigo Long John Baldry. O motivo? Exorcizar os maus espíritos que rondavam a casa desse último, que andava recebendo bonequinhos de vodu com a sua cara… Tempos depois, angustiado, Bond confessou para seu guitarrista de confiança (Mike Woods): “Ando evocando muito ultimamente, mas sinto que não estou exorcizando o suficiente”.

Essa evocação constante de Bond acabou lhe transformando num ídolo; Rick Wakeman, Keith Emerson, Peter Hammill e muitos outros perdiam suas cabeças quando em plena primeira metade dos anos 60 Bond surrupiava frases de Bach e jogava num contexto rock, como fez na canção “Wade In The Water”, um dos temas do excelente disco Sound Of ‘65 (1965). Essa garotada ficou mais maluca ainda quando Bond apareceu meio que de surpresa no programa televisivo Ready Steady Go! para fazer uma pequena demonstração de seu novo brinquedinho: um mellotron, que ele havia usado no segundo álbum do Graham Bond Organization, There’s A Bond Between Us. Além disso, Bond atacava os teclados com uma intensidade e devoção digna de um músico erudito, mas com uma bela dose de malandragem que havia aprendido com Ray Charles.

Graham John Clifton Bond nasceu em Essex, em 1937, e desde então passou a evocar os espíritos dos bons sons com seu saxofone e seu piano, que o levou rapidamente para brilhar no Don Rendell Quintet e também ao lado do Blues Incorporated de Alexis Korner. Por questão de sobrevivência, Bond se converteu parcialmente ao r&b e ao rock, que estava se alastrando pela Inglaterra. Em 1963 ele já liderava seu próprio conjunto, que inclusive fez parte de uma gravação histórica como banda de apoio do cantor Duffy Power, uma releitura para “I Saw Her Standing There”, a segunda cover de Lennon/McCartney lançada na praça.

Nessa altura a banda de Bond, Graham Bond Organization, já contava com um time que anos mais tarde causaria arrepio em qualquer conhecedor de rock e jazz: Jack Bruce no baixo acústico, Ginger Baker na bateria e John McLaughlin na guitarra. Esse último ficou pouco e em 1964 foi substituído pelos sopros de Dick Heckstall-Smith. Antes de partir, McLaughlin teve sua iniciação espiritual através de Bond, que o ensinou a ler tarô e a apreciar com mais intensidade o ocultismo. Ainda em 1964 o GBO serviu como banda de apoio para Marvin Gaye num programa de TV, quando o ídolo da Motown estava fazendo sua primeira tour pela Inglaterra.

O GBO lançou apenas dois álbuns, Sound Of ‘65 (1965) e There’s A Bond Between Us (1966), ambos nunca lançados na América, o que fez com que Bond fosse praticamente um desconhecido por aquelas terras, mesmo com o fato de ter emprestado seus dotes ao The Who, gravando com eles um lado B chamado “Waltz For A Pig”, creditado a um tal de “Who Orchestra”, já que em meados de 1966 a banda estava impossibilitada de gravar devido a um problema contratual.

Nessa época uma banda de sucesso era movida à compactos nas paradas, e isso o GBO não fornecia… “Tammy” foi uma tentativa, mas os puristas torceram o nariz e rapidamente a banda implodiu. Mesmo assim Bond deixou sua marca: ao contrário dos Yardbirds, Animals e dos Stones, o GBO não tinha guitarra e se apresentava como um combo que reverenciava Ray Charles, Charles Mingus, Jimmy Smith e Roland Kirk. No rock ninguém estava nessa onda, somente Bond e seu time de garotos prodígios, amparados e incentivados por ele: o tímido Jack Bruce por exemplo, só começou a cantar pois Bond ficava no seu pé o tempo todo. Bond tinha essa virtude, a de encorajar as pessoas; todos que tocaram com ele são extremamente agradecidos à ele inclusive… A cozinha do GBO, Bruce e Baker, a mesma que viria a brilhar anos depois no Cream, era movida pela filosofia musical única de Bond, o guru repleto de entusiasmo e groove dessa geração de músicos ingleses.

O que Bond ensinava para o bem ele também ensinava para o mal. Seu voraz vício pelas drogas pesadas era famoso na cena dos clubes londrinos. Bond usava drogas quase que num caráter recreativo, e foi ele quem introduziu a heroína para Ginger Baker, que anos mais tarde passaria maus bocados com a substância. Além das drogas e das bebedeiras sem limite, outro fator colaborou para a implosão do GBO após apenas dois registros: os desentendimentos entre Bruce e Baker. O baixista chegou ao cúmulo de ser expulso do GBO não por Bond, mas por Baker, que puxou um faca e ameaçou seu companheiro de banda. Pouco depois eles fariam parcialmente as pazes para ingressar num novo trio ao lado de um guitarrista chamado Eric Clapton. Enquanto isso, Bond ainda tentava manter o GBO na estrada, com Smith e Jon Hiseman na bateria, futuro fundador do Colosseum.

De 1967 em diante, o bipolar Bond estava arrasado, afundado em depressão e com muitas contas pra pagar. O jeito era trabalhar: se mandou para a América, onde gravou dois álbuns como artista solo e matava o tempo fazendo jams com Harvey Mendel, Dr. John, Jefferson Airplane, Jimi Hendrix e Screamin’Jay Hawkins. De volta a Inglaterra, no início dos anos 70, Bond se casou com uma cantora negra chamada Diane Stewart, que com ele dividia uma paixão pelo ocultismo e pelos rituais. Juntos integraram o Ginger Baker’s Airforce e montaram o projeto Holy Magick, lançando dois álbuns pelo renomado selo Vertigo. A dupla também se envolveu com o poeta e letrista Pete Brown, famoso pelas suas letras com o Cream, montando o projeto Bond and Brown, que lançou um único trabalho: Two Heads Are Better Than One.

O casamento com Diane veio por água abaixo, e com ele também a banda Holy Magick. Bond não perde tempo e monta então um novo grupo chamado Magus, ao lado de Carolanne Pegg. Segundo o semanário inglês NME, Bond e Pegg criaram ótimas canções, que esperavam registrar num álbum o mais breve possível enquanto iam fazendo uma boa série de apresentações pelos clubes. Infelizmente a grana andava cada vez mais curta e o jeito foi colocar o projeto na geladeira, o que feriu os sentimentos de um cada vez mais abalado Bond.

Em péssimo estado físico e mental, chegou a se entregar para a polícia com uma pequena quantia de maconha em seu bolso, implorando para ser preso em flagrante, isso para escapar de furiosos traficantes que estavam sempre na sua cola. Na sequência sofreu um colapso nervoso e foi levado para um hospital, onde ficou internado por quase um mês. Saindo de lá Bond estava viciado em “downers”, as perigosas pílulas para dormir que mataram tantos outros músicos através dos anos. A loucura era tanta que num certo ponto o músico começou a assinar seu nome como “Aleister Crowley”, alegando ser filho bastardo do próprio.

Em 7 de maio de 1974, um Bond empolgado e cheio de vida ligou para a redação do NME para agradecer: “Fico contente quando alguém se lembra de mim”, referindo-se a uma foto sua publicada uma semana antes no jornal. “Estou limpo, e me sentindo ótimo. Não vejo a hora de voltar a trabalhar…”. Antes de desligar, os jornalistas do NME trataram de agendar uma entrevista com Bond para a semana seguinte.

Vinte e quatro horas após essa ligação, a estação de metrô Finsbury Park, no centro de Londres, parou, bem no meio do horário de pico… O motivo, uma pessoa havia se jogado debaixo do trem que vinha em alta velocidade. Demorou mais três dias para que o corpo fosse identificado pelas digitais… Era Graham Bond, “The Catalyst”, como era conhecido no ramo musical; sim aquele cara que tocava simultaneamente baixo com os pés, Hammond com uma mão e o sax com a outra.

O ESSENCIAL DE GRAHAM BOND:

The Sound Of ’65 (1965)
Tá tudo aqui, Bond e Smith acompanhados de uma das melhores cozinhas dos anos 60. Jon Lord, Keith Emerson, Peter Hammill, Rod Argent…todo mundo pirou quando ouviu “Wade in the Water”.

There’s a Bond Between Us (1965)
Outro belo exemplo da competência dp GBO. “Who´s Afraid Of Virginia Woolf” é diferente de tudo que rolava na época e aqui Jack Bruce começava a despontar também como um grande vocalista.

Holy Magick (1970)
Parte da rápida fase de Bond pela Vertigo, uma das mais místicas e assustadoras de sua carreira. Rituais sonoros e a presença única do Hammond de Bond. Para ouvir com as luzes apagadas.

Solid Bond (1970)
Disco duplo de retalhos, sessões gravadas na década de 60 e outras guloseimas. Bom pra sacar Bond ao lado de feras como John McLaughlin e Jon Hiseman, além da cozinha Bruce/Baker.

Two Heads Are Better Than One (Bond + Brown) (1972)
Parceria insana ao lado do letrista do Cream e líder do Piblokto, Pete Brown. O groove de sempre de Bond com o toque lisérgico de Brown.

Ginger Baker’s Air Force 2 (1970)
Bond e sua esposa Diane fizeram parte do Airforce, combo exótico de Ginger Baker que sempre trazia convidados de peso. “12 Gates of the City” é Bond em estado bruto.

Artigo originalmente publicado na pZ 26

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