Uma bagunça podia ser mesmo o que acontecia no quartel general da Tropa Maldita, nos subúrbios cariocas do início da década de 70…
“Ouvimos muito pouca coisa. Não temos a possibilidade de comprar discos. Então, não sei como recebemos essas influências que nos atribuem. Acredito na existência de espíritos de músicos mortos que transmitem as suas mensagens a músicos que estão vivos e são escolhidos para dar continuidade ao seu trabalho na Terra. Pode ser isso”. Paulo Bagunça, o autor da declaração, era um artista intuitivo, assim como a banda que liderava. Em 1972, ele e A Tropa Maldita já contavam três anos de batalha, não havia ainda sequer um álbum no horizonte, mas o burburinho que eles causavam no meio musical era intenso. Tanto que inúmeras influências lhes eram atribuídas pela imprensa: Jorge Ben, Traffic, Bob Dylan, jazz, música africana e até rocks dos anos 50. Tempos depois, quando enfim a banda conseguiu lançar, pela Continental, o LP homônimo Paulo Bagunça e A Tropa Maldita, o que se pôde ouvir era uma música livre de rótulos e também livre na concepção, mas sempre dentro do gênero black music, com uma atitude roqueira, muita coisa afro presente nas percussões, e pitadas folk.
Uma bagunça podia ser mesmo o que acontecia no quartel general da Tropa Maldita, mas, ao menos, todo mundo tinha que estar em forma: eles ensaiavam e a maior parte dos músicos morava na Cruzada de São Sebastião, um conjunto residencial com dez blocos de sete andares construído como moradia popular para os habitantes de algumas favelas extintas na região entre Leblon e Ipanema, bem no meio de uma das regiões mais sofisticadas do Rio de Janeiro. Como se não bastasse não haver elevador, eles estavam no sétimo andar de um dos blocos. A força de vontade sempre foi a marca registrada da banda. Era comum os músicos voltarem do trabalho diurno e passarem horas ensaiando todos os dias.
Em 1969, Paulo Soares Filho, o Paulo Bagunça, que vinha tocando violão pela Cruzada, reuniu os músicos para um grupo que participaria do Primeiro Festival de Inverno do Teatro Casa Grande, organizado por Haroldo Costa. Inicialmente chamado Os Muruê de Ipanema, depois rebatizado como Patota Maldita e, em seguida, Tropa Maldita, o grupo arrematou o primeiro lugar no festival, com a música “Não Adianta Tu Chorar”. Com outras canções, eles também faturaram o terceiro e quarto lugares. A julgar pelo desempenho, a Tropa vinha mesmo para ficar. As dificuldades apareceram a partir daí. “Depois que ganhamos o Festival, ficou difícil à beça arranjar lugar pra tocar e a gente tava a fim de tocar”, lembrava Bagunça em 1972, em entrevista realizada na Cruzada à primeira versão brasileira da revista Rolling Stone. “Aí, começamos a ensaiar aí por baixo nos blocos, na pracinha. (…) Nós estávamos meio perdidos porque ganhamos o prêmio do Festival e o cara, sei lá, deu trambique na gente, não deu os prêmios, então partimos pra uma de conseguir as coisas sem precisar deles. (…) A gente tinha direito a uma gravação, um compacto na Odeon e uma bolsa de estudos no (conservatório) Villa-Lobos”.