Manual da Psicodelia Texana

Apresentando The 13th Floor Elevators e outras bandas seminais do rock psicodélico “Made in Texas”

por Bento Araujo     09 abr 2015

13TH-FLOOR-ELEVATORSQuando se fala em psicodelia, o que primeiro vem à mente? São Francisco, é claro.

Sim, talvez o culpado seja a gente mesmo, que se deixa levar por tudo o que lê e ouve por aí… Desde a explosão do movimento hippie e do verão do amor, em 1967, a cidade de São Francisco virou sinônimo de arte, cultura e liberdade musical.

Com essa explosão veio também uma fama imediata para as bandas da cidade, que do dia para noite ficaram famosas no mundo todo e passaram a ser referência de música lisérgica e viajante. Mas será que a cidade de São Francisco tinha raízes sonoras suficientes para fazer brotar sozinha esse novo estilo musical? Onde estava a verdadeira raiz da música psicodélica norte-americana?
Assim como o jazz. o blues, e o próprio rock, ela estava no Sul, mais especificamente no maior e mais conservador estado da América, o Texas.

A cidade já tinha parido muitos nomes de peso, tanto no jazz, blues, country e mesmo no rock: Scott Joplin, T-Bone Walker, Lightnin’ Hopkins, “Blind” Lemon Jefferson, Freddie King, Big Walter, Bobby “Blue” Bland, Clarence “Gatemouth” Brown, Buddy Holly, Bobby Fuller, Roy Orbison, Waylon Jennings, Janis Joplin, Willie Nelson, Johnny Winter, Stevie Ray Vaughan, entre outros.

O estado, de grandes proporções e de muito petróleo enterrado, sofria uma forte gama de diversas influências, culturas e temperos. Da região de El Paso, no limite com o México, a caliente música latina fazia a cabeça do pessoal. Ao leste tínhamos a influência do cajun e zydeco, oriundos da Louisiana; do nordeste do estado sopravam os fortes ventos da música country vindos do Arkansas e de Oklahoma. Com tanta riqueza abundante, era natural que a música produzida no Texas tivesse algumas características bem próprias: uma peculiar profundidade de sentimentos, um completo senso de autenticidade, e uma proximidade quase que sobrenatural com as suas raízes. Isso fazia da música local algo inusitado e não alcançado por nenhum outro estado, nem mesmo a Califórnia.

Nos anos 50, o Texas era considerado a segunda casa do rock n’ roll, só perdendo para a cidade de Memphis. Não é nenhum exagero dizer que depois de Memphis, o local que mais abrigava rockers e rockabillys era o Texas. Com Buddy Holly e os Crickets, o estilo “Tex-Mex” foi mais bem definido e a partir de 1964, com o sucesso dos Beatles e das demais bandas inglesas, mais um tempero (e esse extremamente acentuado) chegou ao Texas.

A primeira consequência desse tornado varreu também o mundo em abril de 1965, quando um sujeito chamado Doug Sahm e sua banda, o Sir Douglas Quintet, apareceu com uma canção simples, de ritmo contagiante: “She’s About a Mover”. No mesmo tempo foi também lançado o compacto de um agrupamento local chamado Sam the Sham and the Pharaohs, com a sua imortal “Wooly Bully”. Podemos dizer então que essas duas bandas (e essas duas músicas em especial) foram as responsáveis pela primeira semente do que viria a ser a nova revolução psicodélica texana. Por fazerem sucesso no mundo todo, esses sons também abriram olhos e ouvidos para o rock texano.

Cinco meses após esse primeiro estouro, Bob Dylan se apresentou em Austin (em setembro de 1965) e assim jogou o fósforo no palheiro. Segundo Dylan, que nessa altura já estava excursionando com sua banda elétrica, a moçada do Texas foi a única que sacou o que ele estava fazendo com guitarras distorcidas… Na plateia, todos aqueles que viriam a fazer a revolução sonora no estado estavam presentes e ficaram extasiados com o trovador convertido a rocker.

Enquanto isso, na Universidade de Austin, centenas de jovens testavam o LSD e estudavam suas reações no cérebro humano. Nessa altura a droga era legalizada, com inclusive a CIA bancando tais estudos pelas principais universidades do país. Logo os jovens texanos também estavam experimentando com o peyote e com a mescalina, além de ler e discutir filósofos como G.I. Gurdjieff e P.D. Ouspensky. De repente, muitos desses jovens entorpecidos estavam empunhando suas guitarras e as gravadoras estavam sedentas para fazer uma grana com esses novos talentos caipiras. Nesse contexto, surgia soberano o guru espiritual dessa cena, Roky Erickson, líder da banda 13th Floor Elevators, esses sim, os verdadeiros papas do rock psicodélico.

Infelizmente, em muito pouco tempo, como numa bad trip de ácido, tudo virou de ponta cabeça… O LSD foi proibido pelo governo e no final de 1968 a fase dourada da psicodelia texana havia acabado de forma melancólica e frustrante. Como bem ressaltou Danny Thomas, baterista do 13th Floor Elevators, nessa altura todo mundo estava ou na cadeia, ou internado num hospital psiquiátrico, e os poucos que sobraram com alguma sanidade e alguns dólares no bolso, se mandaram para a Califórnia.

Recentemente, a gravadora Rhino vem lançando sensacionais boxsets que abordam a cena psicodélica de São Francisco e de Los Angeles. Já não está mais do que na hora da Rhino dedicar inteiramente um box no padrão Nuggets à cena de garagem e psicodelia do Texas? Cartas e emails para o QG da Rhino nos EUA queridos leitores…

Nas próximas páginas, convidamos você a um mergulho sem volta a um oceano de lisergia, fuzz, liberdade, peyote e mescalina… Com vocês, as mais importantes bandas do rock psicodélico e garageiro do Texas, onde tudo aconteceu primeiro…

The 13th Floor Elevators

Foram quatro elepês e sete 45 rotações. Bastou para colocar a banda de Roky Erickson como a pioneira do rock psicodélico norte-americano, a primeira inclusive a se autodenominar como banda “psicodélica”. Entre 1965 e 1969, Roky e sua trupe tocaram e viajaram intensamente e lançaram um dos grandes sucessos da cena, “You’re Gonna Miss Me”, contida também no primeiro LP deles, o obrigatório The Psychedelic Sounds of the 13th Floor Elevators, ícone da contracultura da época e veículo fundamental para a difusão do LSD entre os jovens do país.
De Austin, partiram para conquistar todo o imenso território norte americano. Chegaram na Costa Leste, onde se apresentaram no Fillmore e no programa televisivo de Dick Clark. Na Califórnia, tocaram com muitas bandas de peso, como o Quicksilver Messenger Service e o Moby Grape.
Além de abusar de efeitos e timbres envenenados de guitarra, o grupo também inovou por trazer um sujeito que tocava “electric jug”, sim uma jarra elétrica. Tommy Hall soprava seu “instrumento” e o amplificava, adicionando distorção. Foram fortemente perseguidos pelo uso constante de drogas (LSD a principal delas) e Roky foi parar num hospital para doentes mentais, simplesmente para não ser enquadrado como traficante. Foi o fim prematuro do mais influente conjunto da cena texana…
Ouça: The Psychedelic Sounds of the 13th Floor Elevators (International Artists CD)

Bubble Puppy

Banda formada em 1966, em San Antonio, que foi uma das primeiras do Sul a apostar no som de duas guitarras “duelando”, algo que se tornaria uma marca do rock local na década seguinte. O nome do conjunto foi escolhido enquanto seus integrantes viajavam de ácido durante um show de Hendrix e ao mesmo tempo tentavam ler o livro Brave New World, de Aldous Huxley.

O primeiro show deles já foi abrindo para o The Who, quando esses passaram meio que de surpresa pela cidade dos garotos. No entanto, o reconhecimento só viria alguns anos mais tarde, quando lançaram seu único sucesso: “Hot Smoke & Sasafrass”, em 1969, mesmo ano de lançamento da única bolacha dos caras, A Gathering of Promises.

No ano seguinte, 1970, mudaram de cidade e de nome. Foram para Los Angeles e lá passaram a atender pelo nome de Demian, lançando um álbum homônimo naquele mesmo ano.
Ouça: A Gathering Of Promises (Charly CD)

The Red Crayola

Também conhecidos como The Red Krayola, esse combo é talvez o mais curioso de toda cena texana, simplesmente por ser formado por estudantes que sequer sabiam tocar e pela conexão com Roky Erickson, que gostava de dar algumas canjas com a banda, tanto ao vivo como em estúdio. Para completar essa anarquia toda, o grupo (originalmente um quinteto), era acompanhado por cerca de um grupo de 50 amigos, fãs, roadies e dealers, que juntos formavam um grupo de apoio do Crayola, o coletivo The Familiar Dog, que marca presença cunhando alucinantes cacofonias entre as canções do primeiro disco da banda: Parable of Arable Land. Com atitudes frenéticas e inconfortáveis aos ouvidos menos acostumados, ainda totalmente do it yourself e com um som que não podia ser sequer dançado, o grupo foi uma espécie de precursor da cena punk e no wave. A banda denominava suas composições como Free-Form Freak-Outs e ao vivo essas pirações eram ainda mais potencializadas – durante um show em New Orleans, reza a lenda que 10 dólares foram oferecidos ao grupo para que eles parassem de tocar imediatamente, pois ninguém mais aguentava ouví-los.

Em 1967 ofereceram mais um disco para sua gravadora (Coconut Hotel), que logicamente se recusou a lançar aquela bagunça sonora, que nessa altura contava apenas com experimentos atonais de piano, trompete e percussão. Chegaram a gravar também um álbum duplo com John Fahey, que ficou perdido em algum lugar do passado… Em 1968 saiu finalmente o segundo álbum, God Bless The Red Krayola And All Who Sail With It, com temas curtos e minimalistas. Em 1969, o cabeça do grupo, Mayo Thompson, gravou um disco solo chamado Corky’s Debt to His Father e continuou por décadas na estrada com o Red Krayola (agora com “K”), sempre fazendo questão de desconstruir a linguagem do rock n’ roll e ao mesmo tempo se expressar de uma forma, digamos, mais artística. Nos anos 80, Mayo foi parar no Pere Ubu e até hoje mantém o Krayola na ativa, mais como uma espécie de alter ego musical de suas várias veias musicais. Como patrimônio sonoro, o Krayola deixou marcas em bandas como Spaceman 3, The Dwarves, Alien Sex Fiend e Galaxie 500.
Ouça: Parable of Arable Land (Charly CD)

The Moving Sidewalks

Banda que ficou relativamente famosa por contar com um dos mais respeitáveis guitarristas da cena texana, Billy Gibbons, que depois faria fama e fortuna no ZZ Top.
Fánatico por Hendrix e seu Experience, o trabalho dos MS foi muito nessa onda, mesclando irresistíveis wah wahs com groove, blues e fuzz. Chegaram a abrir um show de Hendrix no Texas e esse último por sua vez virou fã do MS e de Gibbons, ofertando inclusive uma guitarra de sua coleção para o jovem guitarrista.

Flash, o único álbum lançado pelos MS é altamente recomendável e sua versão em CD contém de bônus o single “99th Floor”, uma espécie de hino dos seguidores do som de garagem mundo afora e sucesso absoluto em Houston, em 1967. Pena que na época a banda passou completamente batida além das fronteiras do Texas. Ouça: Flash (Akarma CD)

Fever Tree

Começaram suas atividades em 1966, em Houston, batizados como Bostwick Vine, mas logo adotaram Fever Tree. Passaram um tempo aprimorando seu som na Califórnia e de lá voltaram com o semi hit “San Francisco Girls”.

A banda durou pouco, mas lançou quatro discos entre 1968-1970, sendo os dois primeiros fundamentais para quem curte psicodelia. Muito da qualidade acima da média das composições da banda eram cortesia do casal Scott e Vivian Holtzman, que também atuavam como produtores dos álbuns do grupo. Quando foram dispensados pelos demais integrantes, nada mais foi o mesmo para esses texanos. Os shows do Fever Tree também marcaram época, pois contavam com um alucinante jogo de luzes e efeitos, tudo embalado pela maravilhosa e única sonoridade do grupo. Sofriam das mais diversas influências (música erudita e jazz) e incluiam flauta e piano em seus álbuns.
Ouça: Fever Tree (See For Miles CD)

Josefus

Enquanto a maioria das bandas da época estavam falando de amor e esperança, essa banda (assim como o Black Sabbath do outro lado do Atlântico) promovia o caos absoluto.
A banda emergiu da decadência prematura de outras bandas locais amadoras como Rip West, The Joint e United Gas. Seu som era mais hard do que psicodélico, e a postura agressiva e contestadora do vocalista Doug Tull durante os shows acabou impedindo o grupo de se apresentar nos locais mais conceituados da cena texana. O jeito foi se apresentar de graça num parque de Houston e de lá sair para gravar, pelo seu próprio selo, Hookah, o primeiro elepê, em 1970, o raivoso Dead Man.

Com capa assustadora e conteúdo idem, o resultado foi semelhante ao da estreia do Dust, que também trazia crânios na capa e gerou repulsa de todas as lojas do país.
Chegaram a lançar um segundo álbum chamado simplesmente Josefus; menos intenso, mas também bacana; e abriram shows para o Grand Funk e Grateful Dead.
Ouça: Dead Man (Sundazed CD)

Randy Alvey & Green Fuz

Oriunda da remota e isolada cidade de Bridgeport, a banda Green Fuz lançou um único compacto contendo também uma faixa chamada “Green Fuz”, um verdadeiro hino da sonoridade crua e rude. A canção passou um bom tempo esquecida, até ressurgir imponente na compilação Peebles, no final dos anos 70 e depois em 1981, numa releitura dos Cramps, que incluíram “Green Fuz” em seu álbum Psychedelic Jungle. A versão original, registrada em 1968 pela banda de Randy Alvey, foi registrada de forma tão tosca que chega a ser hilária. Atraídos pela acústica do restaurante da mãe do guitarrista da banda, o pessoal para lá se mandou com um gravador de rolo vagabundo e apenas dois microfones. O resultado foi um dos registros mais impressionantes e autênticos da cena texana…
Hoje o compacto original é raríssimo, pois apenas 500 cópias foram confeccionadas. Uma parte disso foi distribuído às rádios e comercializado nos shows, e o que sobrou, a banda, por pura molocagem, brincou de “disco voador” num terreno baldio da cidade onde moravam… 40 anos depois o culto se reacendeu, com o grupo sendo convidado a se apresentar em alguns festivais pelos EUA. Ouça: Pebbles Vol. 2 (AIP CD)

Cold Sun

Banda de Austin fundada por Bill Miller, que na adolescência era seguidor dos Elevators e resolveu montar sua própria banda psicodélica. Bill gostava de colecionar lagartos e estudar drogas e lances esotéricos. Isso refletia diretamente em sua música, perfeita para se ouvir apreciando as desoladoras paisagens áridas do deserto texano.
A música da banda nunca fez o menor sucesso, pois era muito distante do que vinha se fazendo na época… Os shows também eram raros, então os acetatos com as gravações do grupo se tornaram um segredo bem guardado pelos colecionadores.

Influenciados mais pelo peyote (o alucinógeno dos beatniks) do que pelo LSD, registraram apenas um álbum, o fabuloso Dark Shadows, que na época foi engavetado, sendo lançado somente mais recentemente, em CD e em LP, pelo selo World In Sound. Uma pérola que certamente merece uma audição mais atenta.
Ouça: Dark Shadows (WIS CD/LP)

The Heart Beats

Essa foi uma banda formada apenas por garotas, todas na faixa dos 15 anos de idade, que teve seu núcleo ao redor das irmãs Deb e Linda Sanders. As garotas, que moravam na pacata cidade de Lubbock, resolveram montar uma banda com algumas amigas de colégio. Depois de dois anos seguidos de árduos ensaios, a mãe de Deb e Linda resolveu dar uma de empresária e bancou uma gravação para as meninas. Logo essa senhora passou a enviar essa gravação para aqueles concursos de rádio e TV típicos do período (“as batalhas das bandas”). O próximo passo foi gravar o primeiro single, “Crying Inside”, uma versão para um sucesso de uma outra banda texana chamada Mouse & The Traps. Ao contrário das demais bandas texanas, as Heart Beats tinham uma pegada mais doce e ingênua, tipicamente adolescente, mas sem abrir mão de um som cativante e envolvente de órgão. Infelizmente as garotas não saíram disso, pois a mamãe Sanders se recusou a colocar suas cocotinhas na estrada para sair tocando por aí…
Ouça: The Heart Beats and Other Texan Girls of the 60s (Collectables CD)

Zakary Thaks

Oriundos da cidade de Corpus Christi, o pessoal desse grupo já fazia um som em conjunto desde os tempos de Marauders, um modesto grupo teen local com visual Mod.
Batizados como Zakary Thaks, ganharam popularidade com seus shows concorridos e logo gravaram um compacto pelo selo local J-Beck, quando seus integrantes tinham em média apenas 15 anos de idade. O disquinho trazia um tema de autoria dos rapazes no lado A (“Bad Girl”), e um cover dos Kinks no lado B (“I Need You”). Depois de um furor local, a poderosa Mercury se interessou e lançou o compacto em todo o país, o que serviu para eles abrirem os shows de seus ídolos, os Yardbirds. Também excursionaram com Byrds, Jefferson Airplane, Animals, Beach Boys e o 13th Floor Elevators, o que acabou não impedindo que o grupo encerrasse suas atividades no início da década de 70. Em sua fase áurea, tiveram muitos problemas com os rednecks racistas locais, pois além de serem cabeludos e usarem roupas espalhafatosas, contavam com um mexicano no grupo, o guitarrista John Lopez.
Ouça: Form The Habit (Sundazed CD)

Artigo originalmente publicado na pZ 30

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