Revisitando os grandes discos do power trio canadense
Que o mundo do rock é repleto de injustiças todos nós já sabemos, mas o fato dessa grande banda sofrer com as mais diversas delas através dos anos é algo realmente difícil de se entender…
O trio, Rik Emmett (guitarra e vocal), Gil Moore (bateria e vocal) e Mike Levine (baixo e teclados), sempre foi chamado de “Rush dos pobres”, e não só pela imprensa, mas também por rockers do mundo todo. O fato de serem um trio canadense e de um de seus vocalistas possuir uma voz bem aguda, no estilo da voz de Geddy Lee, bastou para as comparações atordoarem o Triumph pela eternidade.
Mas não é só com comparações que a banda vem sofrendo por todos esses anos. Exemplos de injustiças pra cima do Triumph são muitas: nenhuma enciclopédia “séria” de rock sequer traz o grupo como verbete; as revistas os chamavam de “banda sem identidade”, e até mesmo o conceituado crítico musical Martin Popoff tem uma já famosa birra com o trio de sua terra natal.
Sem sombra de dúvida o Triumph é um dos grandes nomes do hard rock. O trio não gosta de ser chamado de heavy metal, apesar de ter servido como inspiração para o estilo com seus temas que mesclam o puro rock festeiro com AOR, pitadas progressivas e até toques de jazz e erudito.
Allied Forces (1981)
O auge do trio canadense está fincado em cada sulco deste álbum, um verdadeiro marco do rock pesado dos anos 80. Allied Forces é simplesmente essencial em todos os sentidos, passando pelos nove temas, pela capa e pela contracapa, que mostrava o genial palco megaproduzido da banda.
Em 1981 o Triumph possuía um dos shows mais incríveis do mundo da música: explosões, pirotecnia pesada, parede de amplificadores, uma bateria gigantesca, luzes de última geração e laser. Todos esses decibéis foram revertidos em pura emoção adolescente quando na estreia da MTV norte-americana os clipes promocionais de faixas como “Magic Power”, “Allied Forces” e “Fight The Good Fight”, eram exibidos à exaustão. Essas três faixas se tornaram os maiores hits deste álbum, que também trazia sons empolgantes, como a abertura de “Fool For Your Love”, o vigor de “Ordinary Man”, a sublime delicadeza de “Petite Etude” e a levada mais pop de “Say Goodbye”.
Com um repertório tão redondo, Allied Forces tornou-se referência de rock pesado por toda a América, Europa e até aqui no Brasil, onde os clipes do Triumph também eram bastante exibidos na TV.
Promovendo esse disco, o grupo foi coheadliner do festival Heavy Metal Holocaust, realizado na Inglaterra. Fizeram uma espetacular apresentação ao lado de Ozzy, Motorhead, Frank Marino & Mahogany Rush, Vardis e Riot. Depois dessa legendária performance, o Triumph foi escalado às pressas para ser um special guest na segunda edição do Monsters of Rock, em Castle Donington, Inglaterra. O show do Triumph acabou não acontecendo, pois o AC/DC (que era o headliner) exigiu a exclusão da banda canadense do cast. Tempos depois surgiu a razão da atitude tirana do AC/DC: numa tour pela América, em 1979, ambas as bandas tocaram num festival, e nos bastidores, Rik Emmett quase saiu no tapa com Bon Scott. Tudo por causa de uma groupie…
Never Surrender (1983)
Com este álbum o Triumph assumiu uma faceta mais séria e madura. Depois da festa pura de seus álbuns anteriores, era hora de mudar um pouco o direcionamento, principalmente nas letras.
Rik Emmett fazia questão de sempre incluir pelo menos um tema com inclinação mais política e ideológica por álbum. Em Never Surrender ele definitivamente amadureceu essa veia e inclui muitos temas baseados nessa sua ideologia… Até trechos de discursos de Ronald Reagan aparecem no álbum.
Musicalmente o trabalho é um primor. “Too Much Thinking” e “All the Way” são porradas AOR de primeira. A guitarra bluesy de Emmett em “Epilogue (Resolution)” emociona; assim como temas épicos e muito bem trabalhados como “A World of Fantasy”, “Battle Cry” e a faixa título. Ouvindo essas três faixas e mais o boogie pesado certeiro de “When the Lights Go Down” (outro clipe que passava bastante na TV, na época) é nítida a sensação de uma banda no auge de sua força. Sem sombra de dúvida a fase áurea do grupo durou de 1981 a 1983.
Muito do som original e encorpado do Triumph desse período está totalmente ligado ao estúdio e QG do grupo em Ontário, o Metalworks Studios, que hoje é um dos mais bem renomados estúdios de gravação do mundo.
A crítica, como de costume, destruiu Never Surrender em resenhas sem o mínimo de bom senso. Isso de maneira alguma afetou as vendas mais uma vez milionárias. Como resultado de todo esse prestígio, a banda tocou no “Heavy Metal Day” da segunda (e mais importante edição) do grandioso US Festival, dividindo o palco com gigantes da época como Van Halen, Scorpions, Motley Crue, Ozzy, Quiet Riot, etc.
Apesar da boa fase, o relacionamento do trio com o selo RCA deteriorou consideravelmente ainda em 1983. Quem não vacilou foi a MCA, que assinou com eles para os próximos cinco álbuns e passou também a cuidar do catálogo mais antigo do grupo.
Just A Game (1979)
Mais uma produção do introvertido Mike Levine, que além de baixista e tecladista, servia também como prumo sentimental e ponto de equilíbrio do grupo, segurando a onda ali no meio das fortes personalidades de Emmett e Moore.
Just A Game é um ótimo exemplo do som apurado, trabalhado, melódico e virtuoso do Triumph; a faixa título é uma perfeita amostra dessa musicalidade do grupo, assim como o interlúdio instrumental acústico de “Fantasy Serenade”, uma fixação de Emmett, que praticamente em todo álbum emplacava um tema clássico com seu violão. Aliás, esse é o disco de Emmett, onde ele emplacou cinco composições suas (contra apenas três de Moore) e brilhou imensamente nos hits “Hold On” e “Lay It On The Line”, obrigatórias nos shows do grupo.
A versão original (importada) em vinil de Just A Game era um caso à parte, com um trabalho gráfico digno de aplausos. Quando aberta a capa dupla, é possível avistar um tabuleiro de um jogo, repleto de símbolos futuristas. Cada peça desse tabuleiro tem relação direta com uma música do álbum. Infelizmente no Brasil, Just A Game foi lançado com “capa simples” e esse impacto (gráfico) entre os fãs locais não foi o mesmo.
Progressions Of Power (1980)
Não é toda banda que pode ser dar ao luxo de contar com dois vocalistas principais, e isso, por mais que essa banda esteja atravessando uma excelente fase, pode causar uma dose de ciúmes entre essas (belas) vozes. Foi exatamente isso que aconteceu com o Triumph. No disco anterior (Just A Game), Rik Emmett sobressaiu mais como vocalista, o que fez com que Gil Moore revidasse de forma vigorosa nesse Progressions Of Power, nome mais do que apropriado para o quarto trabalho do grupo; aqui Moore voltou com tudo.
O vigor da abertura, com “I Live For The Weekend”, não deixava provas que os caras estavam no caminho certo e com pegada de sobra. “I Can Survive” vem na sequência e mantém o alto astral, com Emmett dando uma força nos vocais de apoio, mostrando para os fãs que apesar da rixa vocal entre ele e o baterista, musicalmente tudo estava rolando na mais perfeita ordem.
“In The Night” é repleta de clima; “Nature’s Child” é mais funkeada e com riffs cavalares, contrastando com a energia de “Tear The Roof Off” e a dramaticidade de “Hard Road”. Emmett ainda brilha com seu violão clássico na vinheta instrumental acústica “Finger Talkin'” e na bela balada “Take My Heart”.
Rock ‘n’ Roll Machine (1977)
Foi com esse segundo disco que o Triumph começou a se destacar além das fronteiras canadenses, graças ao primeiro single deles contido aqui, uma versão bacana de “Rocky Mountain Way”, clássico de Joe Walsh, um dos grandes nomes da guitarra na América do Norte.
Além dela, vários outros pontos altos: a orgasmática e intensa faixa título e seu solo de guitarra quilométrico; a levada Zeppelin de “Bringing It On Home” e “Little Texas Shaker”; e a versatilidade eclética vocal e instrumental de “New York City Streets, Pt.1” e “Pt. 2”, com guitarra jazzy e viajante de Emmett, vocais femininos de apoio, teclados e as duas distintas vozes de Moore e Emmett. Para quem gosta de rock progressivo, a longa suíte “City: War March/El Duende Aconizante/Minstrel’s Lament” enche os ouvidos.
Rock ‘n’ Roll Machine foi inicialmente lançado somente no mercado canadense e depois saiu no resto do mundo, mas com um tracklist que mesclava sons deste disco e do primeiro, homônimo, de 1976.
Foi justamente por isso que muitos fãs “gringos” pensaram (equivocadamente) durante anos que esse combinado dos dois primeiros discos canadenses fosse o primeiro disco original do grupo.
Triumph (1976)
A banda foi formada dentro de um escritório de um empresário, em Toronto, em 1975. Tudo levava a crer que o sucesso viria de imediato, mas não foi bem assim; o começo da careira do Triumph foi difícil. Esse árduo e festejado período foi lembrado na primeira canção deste primeiro disco, “24 Hours A Day”, onde a banda dizia que queria mais é festa. Outros destaques desse pesado disco são o talk box de “Be My Lover” e a pegada Hendrix de “Don’t Take My Life”.
Lançado somente no Canadá, e pelo selo independente Attic, a estreia contou com uma distribuição deficitária. A sorte foi que o disco caiu nas mãos de um DJ de San Antonio, no Texas, e isso abriu as portas para o grupo nos EUA, pois o cara tocava o disco toda semana em seu programa de rádio.
Thunder Seven (1984)
Lá pelos idos de 1984 o Triumph era um grupo com fama e grana suficiente para cometer algumas excentricidades. Trouxeram Eddie Kramer para cuidar da produção e gravaram um disco conceitual e futurista. A capa também não poderia ficar atrás, então estamparam uma versão atualizada do “O Homem Vitruviano” de Leonardo Da Vinci.
O “sétimo trovão” da discografia da banda não teve tanto impacto como os anteriores. A “máquina de Rock ‘n’ Roll” começava a dar sinais de desgaste. “Spellbound” e a melódica “Rock Out, Roll On” são bons temas, no entanto, alguns pontos baixos também corroíam a engrenagem: “Time Canon” tem vocais cafonas, com a voz de Emmett passando do irritante; e a instrumental “Little Boy Blues” é um Blues com bateria eletrônica, heresia pura.
E mais:
Para quem curte discos ao vivo o Triumph está bem servido. O duplo (em vinil) Stages saiu em 1985 e servia como um best of do grupo em formato live. Trazia ainda de lambuja dois sons inéditos de estúdio: “Mind Games” e “Empty Inside”, com Gary McCracken na bateria substituindo um machucado Gil Moore. A série de rádio King Biscuit Flower Hour (In Concert) também contou com o trio canadense numa ocasião em Cleveland, em 1981, e essa apresentação virou um grande disco ao vivo em 1996, extraído de uma vigorosa apresentação da banda em plena tour do disco Allied Forces. Em 2003 foi finalmente lançado (em CD e em DVD) a histórica apresentação da banda no US Festival de 1983, sob o nome de Live at the Us Festival, também altamente recomendável. Em 2004 chegou às lojas A Night of Triumph, outro CD/DVD ao vivo, trazendo um show de 1987. Para quem quiser ouvir mais álbuns de estúdio da banda: Sport of Kings (1986) e Surveillance (1987) são algumas opções, porém sem o impacto dos discos clássicos fase de ouro do grupo.
Parabéns pelas breves resenhas e comentários! Banda obrigatória! Ainda no sábado comprei o Progessions Of Power que me faltava na coleção!
infelizmente o mundo do rock tem dessas coisas mais o cardápio dos caras é maravilhoso grande matéria bento.
…sem dúvidas o “Never Surrender” é o ápice da discografia, da primeira à última faixa, penso, é um disco perfeito onde heavy, hard, progressivo e mais alguns sons nos mostram, principalmente nas músicas com Rik Emmet que a banda estava no caminho certo… Chover no molhado mas parabéns pela resenha!
Grata surpresa ver o Triumph por aqui. Muito bem lembrado. Eu incluiria ainda o fantástico “The Sport of Kings”. Abraços!